Uma catástrofe a ser evitada

(*) Newton Lima –

A euforia provocada pela descoberta do pré-sal brasileiro quase nos fez esquecer o fato histórico de que muitos países produtores de petróleo não souberam aproveitar as divisas obtidas com essa riqueza para promover desenvolvimento econômico e distribuição de renda. Na verdade, na maioria desses países ocorreu justamente o contrário: a indústria não prosperou ou estagnou e a concentração de renda aumentou. Esse fenômeno, conhecido como “doença holandesa” por ter ocorrido na Holanda nos anos 1960/1970, passou a rondar principalmente os países em desenvolvimento produtores de petróleo.

O problema foi diagnosticado de maneira pioneira há mais de 50 anos pelo nosso economista maior, Celso Furtado. Ao estudar o caso da Venezuela, ele mostrou que a abundância de divisas trazidas pelo petróleo fragilizou a agricultura daquele país, concentrou renda e impediu que ele se industrializasse. “Não pode haver maior evidência de que o subdesenvolvimento é a maneira deformada de acumular capital”, sentenciava então o economista da Cepal.

Por ter se tornado autossuficiente há pouco tempo, o Brasil não sofreu os males da “doença holandesa”. Mas a abundância antevista com pré-sal deixa o país vulnerável ao perigo da desindustrialização, principalmente num ambiente de valorização cambial e de crise financeira mundial. Frente ao duplo desafio de enfrentar a crise e superar o “gap” tecnológico, o Brasil precisa fortalecer a indústria nacional nos setores estratégicos, investindo pesadamente em ciência, tecnologia e inovação. E isso poderá ser feito com a alocação racional dos royalties do pré sal.

Mas corremos o risco de andar para trás e ver a riqueza do pré-sal se transformar em maldição, como disse o ministro Mercadante em recente depoimento na Câmara dos Deputados, caso o Congresso Nacional derrube o veto do ex-presidente Lula à Lei Ibsen Pinheiro, que trata desses royalties.

Atualmente a legislação obriga as concessionárias produtoras de petróleo a pagar uma compensação pela exploração. Dessa arrecadação, 22,5% vão para os estados produtores; 22,5% para os municípios produtores; 15% para a Marinha; 7,5% para os municípios onde são feitos o embarque e desembarque de petróleo; 7,5% para constituição de um fundo especial a ser distribuído aos demais estados e municípios e 25% para o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Pela Lei do deputado Ibsen Pinheiro, aprovada pelo Congresso, mas vetada por Lula, 35% dos royalties irão para todos os estados da federação; 35% para todos os municípios e 30% para a União. É natural que tal proposta excite prefeitos e governadores, até porque a tão propalada reforma tributária, que aliviaria as finanças estaduais e municipais, até hoje não passou de intenção.

Mas, se o veto cair, estaremos retirando cerca de R$ 1 bilhão dos fundos de petróleo, o que corresponde a 27% do orçamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2012, o que certamente comprometeria os diversos programas de pesquisa e inovação tecnológica recém-anunciados.

Como escreveu o empresário Josué Gomes da Silva, filho do nosso ex-vice-presidente José Alencar, devemos aproveitar o pré-sal para acelerar a marcha do país rumo ao desenvolvimento, mas não podemos “ser meros exportadores de matéria-prima, submetidos às imposições dos detentores de conhecimento e tecnologia Nosso petróleo, que é finito, só tem sentido se for agente do desenvolvimento infinito”.

Assim, pois, nós parlamentares não temos o direito de pulverizar nossas reservas de ouro negro, comprometendo os investimentos estratégicos que vão nos ajudar a nos transformar em potência mundial.

(*) Deputado pelo PT de São Paulo, doutor em Engenharia, ex-reitor da UFSCar e ex-prefeito de São Carlos