(*) Ucho Haddad –
Tido como país emergente, o Brasil é uma nação cujo cotidiano político é de fazer inveja ao chamado Terceiro Mundo. Afinal, ações republicanas, não importam se da situação ou da oposição, são mercadoria em absoluta extinção. Quando liderava as fileiras da oposição, o Partido dos Trabalhadores fazia exatamente o que seus atuais adversários têm feito de maneira infantil e irresponsável. Pegam carona na primeira nesga de escândalo que aparece no cenário político, como se esse tipo de situação pudesse solucionar as recorrentes mazelas de um país com dimensões continentais.
A diferença entre um período e outro está na capacidade de mobilização da esquerda verde-loura, que por ocasião do diminuto escândalo envolvendo o então presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, mobilizou o País e colocou nas ruas os agora silenciosos “caras-pintadas”.
Como sempre digo e escrevo, mas não canso de repetir, exigir coerência no mundo político é a mais árdua e insana tarefa que um incauto bem intencionado pode enfrentar ao longo da vida. Entre o candidato que abocanha votos nas urnas e o político no exercício do mandato há uma extensa e abissal diferença. Até porque, política é um negócio rico e próspero, conforme provam os custos das campanhas eleitorais.
Como se fosse pouco o diuturno vilipêndio à cidadania, os políticos simplesmente ignoram a capacidade de raciocínio da massa pensante do País. De costas para aqueles que os elegeram, os políticos flanam na tese boquirrota que garante que a pedra que estilhaça a vidraça do vizinho não serve para quebrar a própria janela. Em outras palavras, vale o dito popular do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Em 2005, quando eclodiu o escândalo que ficou nacionalmente conhecido como “Mensalão do PT”, algo que os petistas até hoje negam de pés juntos, os partidos de oposição tiveram nas mãos a oportunidade de interromper o período que passaria para a História como o mais corrupto de todos os tempos no universo político brasileiro. À época, José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, também conhecido por Duda Mendonça, o marqueteiro palaciano que levou o PT ao poder central, disse a quem quisesse ouvir que recebera em conta bancária no exterior parte dos honorários da campanha de Luiz Inácio da Silva, engodo que foi vendido à opinião pública como salvador da pátria.
Caminhando com chinelos rasteiros e mambembes, mas com a eterna sensação que o salto alto da soberba proporciona, a oposição preferiu descartar a chance derradeira de salvar o País, colocando em cena a teoria ficcionista da governabilidade. Apostaram no sangramento político de Lula da Silva, ao mesmo tempo em que esqueceram que Fernando Henrique Cardoso se reelegeu por ter a máquina federal ao seu dispor. E Lula, que de inventivo nada tem, copiou a estratégia do antecessor e também bisou no Palácio do Planalto.
De lá para cá, muitos foram os escândalos que emolduraram a passagem do PT pelo Planalto Central, sem que a oposição, que ora jaz por conta de sua visão míope, tivesse feito algo positivo para mudar o status quo. Como qualquer ditadura moderna, que troca a truculência física pelo compartilhamento criminoso, o Brasil é hoje uma capitania hereditária comandada por ladrões que gozam de impunidade enquanto dispensam apoio genuflexo e obediente aos donos do poder.
O mais novo escândalo de corrupção do governo de Dilma Rousseff, que envolve o comunista Orlando Silva Jr., ministro do Esporte, transformou-se, como era de se esperar, na tábua de salvação dos agonizantes adversários do Palácio do Planalto. Reunida oficiosamente com o delator do esquema de desvio de recursos do “Programa Segundo Tempo”, a oposição transformou o policial João Dias Ferreira em uma espécie de “pop star” de ocasião. Em discursos manchados pela tinta do papel carbono, muitos oposicionistas repetem a mesma teoria. É antidemocrático desqualificar um denunciante, nesse caso o policial militar do Distrito Federal.
Mesmo diante das denúncias ainda não comprovadas de João Dias Ferreira, que parece querer chamar para si holofotes e microfones, concordo, com ressalvas, que é temeroso desqualificar uma testemunha que se apresenta como mosqueteiro tupiniquim. À oposição não importa o fato de João Dias Ferreira ter concordado em pagar propina em valor menor do que o cobrado, nem mesmo a mansão milionária que o policial tem nos arredores de Brasília, tampouco os carros de luxo que o delator esconde na garagem do seu doce lar. O que importa aos oposicionistas é que João Dias Ferreira pode ser uma espécie de Dartagnan moderno contra o projeto totalitarista que emana das coxias palacianas.
Pois bem, Dias Ferreira denunciou aos bolhões e continua prometendo um golpe fatal para os próximos dias, mas até agora não trouxe a lume as provas que alega ter. E deve tê-las, mesmo, pois ninguém seria insano ao ponto de fazer tais denúncias sem as devidas e necessárias provas. No caso do policial-delator prevalece a máxima chula do Direito brasileiro, uma espécie de axioma da Botocúndia, que garante que em caso de acusação as provas cabem ao acusado, não ao acusador.
Esse comportamento anti-republicano da oposição não causa espécie, pois em tempos de guerra qualquer buraco é uma trincheira. Contundo, é preciso que a oposição se esforce ao máximo para manter, se não a coerência, a isonomia no tratamento das denúncias que pululam pelo Brasil afora. Em São Paulo, terra dos bravos bandeirantes, onde os adversários do Palácio do Planalto são a situação, quem denuncia sem provas é tratado como foragido de hospício.
Deputado estadual pelo PTB, Roque Barbiere jura, com todas as letras e a ajuda de muitos santos, que muitos parlamentares comercializam emendas ao orçamento estadual. Engana-se quem pensa que Barbiere inventou a roda ou descobriu a pólvora. A venda de emendas parlamentares é prática comum no mundo político. Se não acontece de forma pontual, certamente acontece na entrada ou na saída. E para que não pairem dúvidas sobre o tema vou às explicações. O financiador da campanha de um determinado político pode ter sua compensação em uma emenda futura. O que configura mercantilismo antecipado, pois alguém investe antes para auferir lucros posteriormente.
Em outro vértice do truque, a emenda pode ser negociada horas antes de ser apresentada. Trata-se de crime pontual, feito às pressas e sobre um balcão sempre enodoado pela lama da corrupção. Em ponta distinta, não afoita, a emenda pode se transformar em uma espécie de cornucópia retardada. Se aprovada, a emenda sofre modificações na sua efetivação. Na execução de uma obra prevista em determinada emenda, a qualidade do serviço é escandalosamente minimizada para atender aos interesses financeiros dos bandidos envolvidos na fraude. Temos, então, uma tramóia postergada.
Crimes políticos à parte, a mim não cabe outra incumbência que não a de perguntar à oposição se o que é verdade em Brasília passa por mentira em São Paulo. E aproveito a oportunidade para questionar esses oráculos do Criador por qual razão o policial-delator João Dias Ferreira é tratado como são, enquanto o deputado Roque Barbiere é considerado louco.
Sempre lembrando que cá não estou a defender um ou outro, mas, sim, para, mantendo a coerência, cobrar isonomia em ambos os casos. Até porque, chumbo trocado não dói.