Odete Roitman perdeu o reinado para Muammar Khaddafi

    (*) Ucho Haddad –

    Reconhecido mundialmente como um celeiro novelístico de excelência, o Brasil ainda cultiva, mesmo que por galhofa, o enigma que um dia tomou conta do imaginário coletivo da nossa querida e amada Botocúndia, salve, salve. No final da década de 80, quando a novela “Vale Tudo”, do competente Gilberto Braga, chegava aos seus derradeiros capítulos, a opinião pública decidiu que Odete Roitman, a vilã da novela das oito, deveria morrer.

    Na noite do dia 24 de dezembro de 1988, véspera de Natal, a Vênus Platinada levou ao ar o capítulo em que a personagem da impecável Beatriz Segall foi alvejada por três tiros. O mistério da trama da TV dos Marinho, desvendado duas semanas depois, gerou o bordão “Quem matou Odete Roitman?”, até hoje presente em algumas das conversas que tomam conta das esquinas brasileiras.

    À época, o capítulo da morte de Odete Roitman chegou a alcançar, em momentos de pico, incríveis 92 pontos de audiência. Ao desvendar o mistério, no último capítulo da novela, Gilberto Braga viu sua obra atingir outra marca histórica: 86 pontos de audiência, com picos de 94. Um marco na televisão verde-loura.

    Até hoje muita gente não sabe quem de fato matou Odete Roitman, mas no capítulo derradeiro que foi levado ao ar coube a Leila, personagem da atriz Cássia Kiss, decretar o fim da megera da novela global. Não que esse fosse seu objetivo. Na verdade, Leila pensou ter atirado em Maria de Fátima (Glória Pires), que se tornara amante de seu marido, Marco Aurélio (Reginaldo Faria), ex-genro de Odete.

    Na ocasião, a morte de Odete Roitman agitou o mercado publicitário e rendeu polpudas e inesperadas verbas aos veículos de comunicação. De campanha de seguradora a anúncio de loja de revelação de filmes fotográficos, passando por caldo de galinha, muitos foram os que pegaram carona na morte da odiada Odete Roitman. Pelo sucesso de “Vale Tudo”, no Brasil a insuportável Odete Roitman morreu ao menos três vezes, pois duas já são as reprises que se tem notícia.

    Considerando que o estrondoso conteúdo exibido na telinha foi previamente planejado, as cenas da morte de Odete Roitman só renderam recordes de audiência porque o ser humano tem a insana necessidade de se deparar com a desgraça alheia, mesmo que imaginária seja, para minimizar o seu próprio calvário. Essa é a explicação para o sucesso dos programas policialescos que invadem diariamente a televisão brasileira.

    Mudando de alhos para bugalhos, hoje o mundo deixou de lado a morte novelesca de Odete Roitman para saber quem de fato matou o ex-ditador líbio Muammar Khaddafi. Pelo menos esse é o desejo daqueles que tramaram nos bastidores a morte do louco e excêntrico que durante 42 anos governou a Líbia com mão de ferro, com direito a conter a ira adversária com truculência.

    Khaddafi caiu durante uma tentativa de fuga por um duto de Sirte, sua cidade natal, e acabou baleado na testa e na região abdominal por um dos rebeldes libertários. De acordo com as primeiras imagens que ganharam o noticiário mundial, Ahmed Al Shbai usou uma arma do próprio Khaddafi, banhada a ouro, para acabar com a vida do inimigo número um dos líbios.

    Horas depois do anúncio oficial da morte do ex-líder, a Organização das Nações Unidas, por meio do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, decidiu que quer saber as condições em que Muammar Khaddafi foi morto. Até porque, a OTAN, que entrou no jogo para evitar uma sangrenta guerra civil, perdeu a chance de liquidar o ditador, pois contava com aviões e equipamentos militares de última geração, mas foi vencida por alguém rápido no gatilho. E explicar ao mundo um fiasco desse não é tarefa das mais fáceis, principalmente quando o trunfo é creditado a um desconhecido Billy the Kid das Arábias.

    Como revelei no artigo anterior, sou contra a pena de morte – ou execução sumária -, assim como condeno a histórica Lei de Talião. Mesmo diante dessas ressalvas, preciso admitir que a morte de Khaddafi era uma questão primordial para a tentativa de se colocar em marcha um projeto de democracia na Líbia, que sobre o país africano não deve abrir os braços tão cedo.

    Assim como a morte de Odete Roitman rendeu audiência e muito dinheiro aos envolvidos na trama, o fim de Muammar Khaddafi não foi diferente. Muitos veículos de comunicação viram os números da audiência disparar, além de faturarem verdadeiras fortunas em publicidade durante a transmissão das imagens do ataque final à cidade de Sirte.

    Fora isso, é preciso estar atento aos desdobramentos desse episódio, pois sobra na Líbia o que falta em muitos dos países que torceram pela morte de Muammar Khaddafi, quiçá não ajudaram a tramá-la. Petróleo, o tão cobiçado ouro negro.

    Considerando que a morte de Odete Roitman é coisa do século passado e a megera global perdeu o trono, a bola da vez é o ex-ditador líbio. E a vivíssima Beatriz Segall que se cuide, pois a ONU tem uma pergunta que não quer ver calar. Quem matou Muammar Khaddafi?