(*) Marli Gonçalves –
Eu preciso voltar a esse assunto, mas desta vez será por outro ângulo. Desta vez defenderei diretamente a opção, que também é sexual no fundo, e que vem sendo vítima de preconceitos pesados, além de insinuações sobre tristezas quase dramáticas e terríveis frustrações que acometeriam os “desfilhados”. Qual o problema de não fazer crianças, de não querer fazer, e de viver sem ter feito?
Faz uns quinze dias que ando sentindo uma pontadinha bem chata, de alguma coisa tentando perturbar a minha natural ordem das coisas. Como se algo estivesse tentando me espezinhar, a mim e a muita gente que conheço e admiro. Tem acontecido toda vez que estou perto de uma televisão ligada, ou lendo o jornal sobre as últimas novidades no caso da união civil de parceiros do mesmo sexo. Demorei um pouco a reconhecer o que era que os meus ouvidos escutavam e não assimilavam. E era um monte de besteiras, um saco delas. Mais uma vez não dá para calar e deixar passar.
Tipo os tais adesivos da familinha feliz, toda hora aparece uma besta (bestas fêmeas e bestas machos, incluindo um Ratinho Júnior.) falando na importância da família. Até aí, vai, tudo bem, que família, seja qual for a que a gente compõe, é legal. Até a família Lego é legal. Tem a família urso, a família das plantas … Mas logo vem a imagem que uns zinhos aí ilustram de forma didática, simplista e tatibitati: um homenzinho mais uma mulherzinha mais coraçãozinho igual a uma criança, duas crianças, três crianças. De enjoar. Enjoo toda vez que vejo e garanto: não é gravidez. Resolvi há muito tempo que não teria filhos. Não os tive. E não sou nem melhor nem pior por isso. Mas exijo respeito à minha opção e que é opção de tanta gente, incluindo decisões de casal.
O coitadinho do peixinho utilizado como símbolo pelo tal Partido Social Cristão, o PSC, e aquelas suas propagandas que dão engulhos dos mais reais, insistem, com uma cara de pau que faz por merecer um bom controle remoto nos cornos, zapeando eles. É como se para essa gente que se intitula cristã na hora que quer voto e adeptos só sejam considerados “família”, ou que entendam o seu significado, os que têm filhos, papai com mamãe mais negocinhos. Homem mais mulher fazendo o que o peixinho manda: sexo para crescer e se multiplicar. Para eles deve ser questão de preservação de espécie animal e de seus bandos. Só pode ser. Acho mesmo que quem tem que crescer e se multiplicar antes de dar conselhos moralistas são os próprios, entre os quais se procuramos encontraremos vários degenerados.
Mas a coisa não acaba aí. Essa semana um grande jurista, que tem o direito de ser contra o casamento gay, mas não o direito de baixar normas, andou falando a mesma bobagem. Que união só pode ser entre homem e mulher porque esses podem procriar. E se não quiserem? Deixarão de ser casal? Deixarão de serem considerados socialmente? É essa divisão que está sendo pregada?
Nunca tinha me interessado antes em pesquisar sobre esse assunto que para mim é natural, e que acompanhei a vida inteira só observando o mundo à minha volta, basicamente. Então fiquei muito surpresa com o que achei, claro que pela asas da internet onde a gente estica a mão e o táxi do conhecimento para e abre a porta para você entrar. Nessa, descobri uma “organização” radical, chamada Sem Filhos, a Child Free Life Style (http://www.semfilhos.org), e que prega o orgulho pela opção. Para vocês terem idéia o logotipo é aquela imagem da cegonha carregando uma trouxinha bebê, ao contrário, indo para a esquerda, e riscada em diagonal. Parece coisa de gringo, deve ser, mas foi adaptada e o que eu gostei mais foi o destaque que dão à expressão Sem filhos por opção.
Chamei de radical porque eles tiveram a pachorra de listar dezenas de “bons motivos” para resolver não ter os pequeninos. Um deles: eles, os fedelhinhos filhos, crescem. Quer outros motivos que eles lembram? Crianças custam caro; Tem crianças demais na Terra; Desnecessário para perpetuação da espécie (já são 8 bilhões de seres humanos no mundo); Crianças são capazes de colocar os pais em situação de vexames na rua; Filhos são como alto-falante de pedir coisas; O filho é um ser humano como outro ser qualquer então dele se pode esperar de tudo, inclusive fazer mal aos pais; Criança boa só tem duas: aquela que já fomos e a dos outros; Colocar alguém no mundo só pra ele cuidar de você na velhice, e atender seus projetos pessoais é egoísta e mesquinho; Ter filhos é igual piscina gelada, depois que o primeiro tonto entra, fica falando para os outros: – Pula que a água tá boa! Eles também deram destaque na página à informação que “500 mil mães morrem durante o parto todos os anos”. Maldade…
Querem mais ou chega?
Mas tem mais reclamação sim. Primeiro que os “sem filhos” têm que ficar mais espertos porque estamos sendo chamados diariamente de cidadãos de segunda classe. Depois, até a novela das nove, a que faz a cabeça das pessoas, está mostrando uma mulher bem resolvida que resolveu “pirar” e ter um filho já com mais de 40 anos de idade. Uma opção real e respeitável. O legal é exatamente isso: quem resolveu não ter filhos pode “desresolver”. Pode buscar por inseminação artificial, por adoção, pegar para criar, em qualquer altura da vida. Mas quem os teve e mudou de idéia não pode simplesmente devolvê-los. O que faz com que tratem os que tiveram com casca grossa, criando monstrinhos problemáticos e distribuindo-os para a sociedade.
A novela anda discutindo isso, em sua ficção. Tudo bem. E está misturando coisas no mesmo caldeirão, onde até uma médica decidida que nunca teve filhos e que agora resolveu criar um sobrinho, está virando bruxa má: trabalha com fertilização in vitro e quer manter os avós maternos do menino (umas pestes os velhinhos) bem longe dele.
Pergunte, no entanto, às pessoas mais simples, para quem elas estão torcendo. Chamam a médica de tia, de solteirona recalcada, e daí para pior. Estou vendo. Observando bem.
Já senti – e ainda sinto muito – esse preconceito. Na própria pele. De gente que sempre quis cuidar do meu útero, esquecendo do próprio.
Essa coisa, essa visão ultrapassada, até vinha melhorando ultimamente. Mas parou de progredir. Assim, sem-filhos! Uni-vos! E multiplicai-vos!
São Paulo, onde não está cabendo mais ninguém, 2011
(*) Marli Gonçalves é jornalista. Solteira, sem filhos. Opções feitas nos dois campos. Mas quem me conhece sabe que sou mais exemplo de família do que todos esses pregadores com peixinho na lapela.
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