Detalhe inconstitucional levará a PEC do Trabalho Escravo ao Supremo, alerta jurista Ives Gandra Martins

Sem saída – Na última terça-feira (22), a Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo, o que foi comemorado por parlamentares, trabalhadores rurais e defensores dos direitos humanos. Quando nos deparamos com uma PEC, o mínimo que podemos esperar é que ela seja linearmente constitucional, o que significa respeito aos princípios básicos e invioláveis da Constituição Federal.

Com a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, o parlamento brasileiro mandou um duro recado aos escravagistas: que esse tipo de prática é absolutamente condenável no País. O ucho.info é contra o trabalho escravo, mas é preciso estabelecer parâmetros para que discussões envolvendo o tema não congestionem ainda mais o Supremo Tribunal Federal.

O detalhe da PEC que pode gerar uma enxurrada de Ações Direta de Inconstitucionalidade está na expropriação das terras em que for comprovado o uso de mão de obra escrava. O primeiro passo é definir o que é trabalho escravo, pois com a sanha totalitarista que domina o País, armações são cada vez mais recorrentes. A situação torna-se ainda mais conflitante porque as terras expropriadas serão destinadas à reforma agrária. Considerando que os movimentos sociais que se dedicam ao tema nem sempre agem com a lisura necessária, é preciso antes de tudo estabelecer limites e conceitos.

Outro detalhe, o mais importante deles, é que a Constituição Federal garante de forma inconteste, no artigo 5º, o direito à propriedade. Ou seja, a expropriação de terras será considerada um ato inconstitucional se fugir ao que determina a Carta Magna.

Ives Gandra

Consultado pelo ucho.info, o jurista Ives Gandra Martins, que ressaltou ser radicalmente contra o trabalho escravo, foi claro ao afirmar que o direito à propriedade, por integrar as chamadas cláusulas pétreas, “não pode ser reduzido”, nem mesmo por emenda constitucional. Ives Gandra destacou que a inviolabilidade do direito à propriedade está explicitado no artigo 5º da Constituição, nos incisos XXII (é garantido o direito de propriedade), XXIII (a propriedade atenderá a sua função social) e XXIV (a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição). O jurista lembrou ainda que o artigo 185º da Constituição evidencia de forma cristalina a insuscetibilidade das propriedades rurais no caso de desapropriação para fins de reforma agrária.

Para Ives Gandra Martins, a Emenda Constitucional do Trabalho Escravo terminará obrigatoriamente no Supremo Tribunal Federal, bastando que uma organização representativa de determinado setor da sociedade, como, por exemplo, a Confederação Nacional da Agricultura, protocole na Corte uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Caberá ao Supremo decidir sobre o que fazer com o viés inconstitucional da PEC em questão.

Legisladores despreparados

Esse quadro confuso mostra a reduzida capacidade dos legisladores, cujo nível de conhecimento despencou sobremaneira nos últimos tempos. Tratar uma Proposta de Emenda Constitucional com tanto desdém e irresponsabilidade é ludibriar o povo e atentar contra a democracia, sempre refém do populismo barato dos governantes e seus amestrados operadores.

Ratificando a nossa posição contrária ao trabalho escravo, lembramos que nos casos em que trabalhadores são encontrados em oficinas de costura em regime análogo ao da escravidão, as empresas não são expropriadas. Os proprietários ou responsáveis são enquadrados civil e criminalmente de acordo com o que determina a legislação vigente. Recentemente, uma conhecida marca internacional de moda foi obrigada a assinar um termo de ajustamento de conduta com as autoridades, porque suas oficinas terceirizadas empregavam mão de obra escrava. Ninguém foi até as tais oficinas ou às lojas da marca para expropriações ou atos semelhantes.

Voltando ao caso da expropriação prevista na PEC do Trabalho Escravo, muitas vezes os verdadeiros donos das terras arrendam suas propriedades a terceiros, os quais podem se valer do regime escravagista sem o conhecimento dos arrendadores. O mais correto é endurecer o enquadramento do uso de mão de obra escrava como crime, deixando o direito de propriedade intacto e inviolável, como estabelece a Carta Magna.