Um desabafo depois da merecida, mas tensa, comemoração

    (*) Ucho Haddad –

    Certa vez, reunido com amigos, ouvi uma pergunta que me surpreendeu. Qual era o meu sonho. Pego de supetão, respondi que não tinha sonhos pessoais, mas missões a cumprir. Pode parecer proselitismo de minha parte, mas realmente não é. Insistindo no tema, perguntaram-me se gostaria de conquistar algo. Disse que não, justificando que o Criador foi extremamente generoso ao me dar muito além do que merecia. É assim que me posiciono diante da sequência da vida. E nas mãos do Senhor deixo o meu destino.

    Inconformados, os amigos quiseram saber minhas razões. E de alma aberta traduzi em palavras a minha crença. Saber escrever foi a maior fortuna que poderia ter conquistado. Sempre generoso comigo, Deus privilegiou-me novamente ao permitir que minhas escritas fossem lidas. E não há presente melhor para um escriba do que ter quem leia seus grafados.

    No artigo dedicado aos onze anos do ucho.info deixei evidente a minha devoção às palavras, ao jornalismo, ao ofício que escolhi sem qualquer nesga de arrependimento. “Escrever é o ar que respiro, é a garantia do amanhã, é a dieta da consciência, é o prazer da realização”, destaquei. Essa sensação múltipla e contínua me faz renascer diante de cada letra, cada vírgula, cada ponto. E assim faço todos os dias, como se cada um fosse o primeiro. Sempre de maneira incansável e confiante.

    Por conta do décimo primeiro ano do ucho.info recebi diversas e emocionantes mensagens de cumprimento, às quais gostaria de responder individualmente, mas aqui deixo o meu agradecimento a todos, a cada um que se preocupou e parou para me escrever algo ou mandar algum sinal de alegria. Na verdade, a melhor maneira de agradecer é continuar escrevendo, o que farei até o meu último suspiro.

    Enquanto recebia mensagens pelo aniversário do site, desavisados e alguns falsos amigos se questionavam sobre as razões da comemoração. Para ilustrar esse inconformismo alheio lanço mão de frase primorosa do saudoso Millôr Fernandes: “Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos”.

    Longe de ser uma pessoa eminentemente festeira, confesso que a comemoração teve sabor especial. O primeiro motivo é que tenho enorme simpatia pelo número 11. E não poderia deixar de reverenciá-lo em momento tão particular, pois onze anos em cima do ringue da notícia – sem contar os outros vinte e poucos – é tarefa árdua. O segundo e principal motivo é que ultrapassei uma barreira que só agora revelo.

    Desde que reforcei as críticas aos donos do poder, com ênfase nas análises e nos registros históricos, uma sequência de fatos estranhos passaram a acontecer na minha seara. Ao mencionar no artigo publicado anteriormente alguns percalços – intimidações, ameaças e outras sordidezes –, não fiz uso de figura de retórica ou ingrediente novelístico. Em econômicas e pontuais palavras radiografei o que de fato venho enfrentando, uma espécie de replay de passado não tão longínquo.

    Ao longo dos anos, várias foram as incursões para comprar o meu silêncio e calar a minha consciência. De A a Z exploraram o cardápio da covardia, mas soube escapar com tenacidade da peçonha alheia. Vieram as ameaças, as quais de igual modo não surtiram efeito prático. Mesmo assim, não desdenhei o inimigo, pois a surpresa surge no momento de descuido. Optaram então pela asfixia financeira, através de ações rasteiras típicas de mafiosos, certos de que minha derrocada era uma questão de tempo. Como sobrevivi ao intento criminoso, as ameaças voltaram. A promessa era que não comemoraria mais um ano de site. E cá estou a escrever, sem ter perdido a empunhadura da pena e nem a ousadia da contestação.

    Fazer jornalismo é um desafio constante, ter opinião é quase roleta russa em um país como o Brasil, onde o poder e o desmando caminham sobre o fio da cimitarra da impunidade. Erra com folga quem pensa que desafiar um jornalista investigativo com três décadas de estrada é a mais fácil das tarefas. Não sou o mais esperto do planeta, mas na fila do incauto fico em penúltimo. Nem mesmo em sonho passo à margem da soberba, pois se assim fizesse já teria caído na armadilha do inimigo. Pior é a escumalha que permanece mentirosamente ao meu lado como se me apoiasse. Alguns creem que podem me enganar, outros desconhecem a minha escola da vida.

    A vida tem começo, meio e fim, o que me dá tranquilidade em relação ao que pode acontecer. Minha preocupação maior é com o futuro do ucho.info, trincheira da cidadania que ergui com esforço, dedicação e privação. E que deve continuar a existir sob qualquer hipótese, pois este, sim, é o meu sonho, minha missão.

    O Supremo prepara-se para o julgamento do escândalo do mensalão, o que por si só explica os rapapés que tentam seguidamente contra mim. Os que conhecem a minha história a fundo, ou se preocuparam em conhecer, sabem do poderio de quem está por trás da operação. Não me intimido, pois não tenho vocação para alcatifa do banditismo ou para proxeneta de quadrilheiros convictos.

    Os últimos meses foram indescritíveis, com repercussões de toda ordem. Como frágeis castelos de areia, partes da vida desmoronaram à minha frente de uma hora para outra, envelheci anos em questão de semanas, perdi importantes conquistas amealhadas nos últimos tempos, mas continuei sorvendo o néctar da esperança. Resisti sem perder o foco, mesmo sabendo que fui contemplado com o abandono de alguns e a intransigência de outros. Confiante estou, confiante estarei, pois inabalável permanece a minha fé.

    Em relação aos meus adversários, só me resta pedir a devida licença a Mario Quintana para transcrever o “Poeminha do Contra”.

    “Todos estes que aí estão
    Atravancando o meu caminho,
    Eles passarão.
    Eu passarinho!”