Coisa de doido – Há fatos no cotidiano nacional que são simplesmente inexplicáveis. Como se nada tivesse com o que se ocupar, o Supremo Tribunal Federal coloca em discussão, nesta terça-feira (11), o conteúdo do livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, adotado pela rede pública de ensino.
A audiência de conciliação, que serve para a busca de um entendimento, foi convocada pelo ministro Luiz Fux, relator de um mandado de segurança que questiona o uso do livro. Publicado em 1933, “Caçadas de Pedrinho” faz parte do Programa Nacional Biblioteca na Escola, do Ministério da Educação, e foi distribuído a todas as escolas do País. A obra é alvo de questionamento formulado por uma entidade do movimento negro e por um técnico em gestão educacional, que alegam que o conteúdo do livro tem “elementos racistas”.
“Não há como se alegar liberdade de expressão em relação ao tema quando da leitura da obra se faz referências ao negro com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”, destaca o recurso.
Em determinado trecho do livro, por exemplo, a personagem Emília, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, diz: “É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém – nem Tia Anastácia, que tem carne preta”.
Os autores do mandado de segurança usam como argumento contra o uso do livro nas escolas um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão ligado ao Ministério da Educação, que afirmou que certos trechos são tratados com preconceito.
Parafusos soltos
Oportunista, essa lufada politicamente correta em nada contribui para o fim da discriminação racial, crime previsto em lei e com punição exemplar. Pouco adianta punir Monteiro Lobato, que escreveu a obra quando a discriminação racial não era contemplada pela legislação verde-loura. A prevalecer a alegação obtusa dos impetrantes do mandado de segurança, a cultura nacional estará fadada a proibições intermináveis, pois muitas são as obras que fazem menção aos negros usando os usos e costumes da uma época.
Um dos próximos a serem alvejados por esse pensamento ignaro será o genial Manuel Bandeira, autor do poema “Irene no Céu”, que você confere a seguir:
“Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
– Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.”
Antes que seja tarde
O ucho.info vai mais longe na análise dessa sandice que alguns tentam impor à força, na esteira de um comportamento social supostamente correto. Se todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, como prevê a Constituição de 1988, não há motivo para a criação de cotas nas universidades. Considerando que algum tipo de discriminação existe, como alegam os impetrantes, essa não está na inocência do personagem de Monteiro Lobato, mas na falência do Estado, que se consuma ao não garantir aos cidadãos direitos iguais.
Tal discussão perde força quando buscamos no cotidiano o contraponto para pleito tão absurdo quanto desnecessário. Carlinhos Brown, músico baiano, não apelou ao anglicismo na busca de um pseudônimo porque é da raça branca. De igual modo, o futebolista Leônidas da Silva foi apelidado de “Diamante Negro” porque era da raça branca.
Até mesmo o jogador Edinaldo Batista Libânio, que atuou pelo São Paulo Futebol Clube, tornou-se conhecido como Grafite porque é da raça branca. Ex-zagueiro do Flamengo, de 1969 a 1972, o capixaba José Jorge Fabiano alcançou a fama sob o apelido de Tinteiro, que lhe foi dado por pertencer à raça negra. E nenhum dos acima mencionados sentiu-se, em algum momento, discriminado.