O mundo é branco e preto e o hino do Corinthians tem mais razão de ser

    (*) Ucho Haddad –

    O domingo começou diferente. Antes das seis da manhã já era possível ouvir o ruído dos rojões que rasgavam o céu cinzento e carrancudo da maior cidade brasileira, São Paulo. O estouro dos fogos, repetindo a madrugada, era o aperitivo da fé do bando de loucos que empurrou o Corinthians em Yokohama, cujo estádio foi transformado em versão japonesa do Pacaembu. Horas depois, a cidade avançou no dia em quase obsequioso silêncio, parada. Nada se movia, nenhum barulho vinha da rua.

    Diante dos televisores era possível ouvir o som quase surdo de mãos nervosas que se esfregavam umas às outras. Olhos estáticos focados na televisão. O pensamento de todos tinha o mesmo objetivo: o título. Era uma corrente de pensamento, de desejo, de sonho. O clima era de final de Copa do Mundo. Doses de desconfiança saltavam do coração de cada corintiano. Afinal, quem primeiro balançasse a rede adversária ganharia a partida e o título. Essa era a previsão. Por isso foi mais difícil até o primeiro grito coletivo de gol, que interrompeu o silêncio sepulcral que se abateu sobre a Pauliceia Desvairada.

    Acabou! Hoje o mundo é corintiano, é branco e preto, é de um bando de loucos, apesar da torcida contrária dos adversários, dos que secaram até o último segundo da partida na esperança de ver os ingleses mandando o Timão de volta pra casa como vice. Até o Corinthians deixar o Japão, a terra do sol nascente será uma filial da Zona Leste paulistana, a ZL (ou “zelê”, como dizem os manos), reduto maior do novo clube campeão do mundo.

    Por interesses conhecidos, comerciais obviamente, a imprensa nacional deu destaque à disputa do título mundial, noticiando que o Corinthians era o Brasil em terras japonesas. Balela midiática, pois ao mesmo tempo, para manter os mesmos interesses, a imprensa abriu excessivo espaço aos que torceram contra. Torcendo ou secando, o importante era manter todos ligados nesse ou naquele veículo.

    A conquista deste domingo, 16 de dezembro, é resultado de um árduo e bem planejado trabalho em equipe que começou lá atrás. Há cinco anos, em 2007, o mês de dezembro estava prestes a encerrar o seu primeiro dia quando, no lobby de um hotel em Porto Alegre, conversava com o então e recém chegado presidente do Corinthians, Andrés Sanchez. Ao dirigente corintiano disse que o melhor àquela altura, para ele e para o clube, seria o rebaixamento.

    Sem se assustar com o que disse, Sanchez parou para ouvir. Ao presidente do Corinthians, que recebera uma maldita herança do antecessor, disse que consertar casa com rachaduras é o pior negócio, pois sempre se ouve, depois da reforma, o som de uma trinca se abrindo. O caminho mais adequado era derrubar tudo, limpar o terreno e começar do zero, dos alicerces. Estar na Série B do futebol brasileiro seria mais interessante ao Corinthians, mesmo que sangrasse o coração de cada um dos torcedores. O clube receberia a maior cota da televisão e inevitavelmente seria campeão.

    O rebaixamento se confirmou e a manifestação da torcida no Estádio Olímpico, na capital gaúcha, mostrou que as brincadeiras dos históricos adversários durariam muito pouco. Ali ganhou força o canto “louco por ti Corinthians”, que virou uma espécie de oração sagrada até para o menos entusiasmado corintiano, o que é difícil de encontrar. O novo e empolgante grito da Fiel torcida não esmoreceu em qualquer instante, mesmo nos piores momentos da equipe. O bando de loucos continuou louco pelo Corinthians, que ressurgiu muito maior.

    Vencer a Copa Libertadores deu ao clube o troféu que faltava em sua galeria e prorrogou o sonho do bando de loucos. A vitória continental foi a senha para tornar possível o que parecia impossível. Sonhar com algo maior. A primeira conquista do título mundial, em 2000, sobre o Vasco da Gama, sempre foi alvo de chacotas por parte dos adversários, que sempre a trataram a com desdém. Era preciso carimbar a faixa no Japão.

    Mesmo que fracassasse em solo japonês, o Corinthians sairia maior diante da derrota que não veio. E muito mais rico, pois o clube se profissionalizou nos últimos cinco anos, deixando para trás a cartolagem barata e escusa que domina o futebol verde-louro.

    Respeitando as regras da competição, o Corinthians é hoje o melhor time de futebol do planeta. Se não for a verdade máxima do futebol, acreditemos nisso em respeito aos mais de 30 mil corintianos que fizeram malabarismos financeiros para chegar ao Japão. Aos que foram até lá com alguns caraminguás apenas para lavar a alma. Aos que invadiram a terra dos samurais e lá fizeram uma festa alvinegra por onde passaram. Aos que não pararam de gritar o nome do clube no estádio. Ao bando de loucos. Afinal, a torcida é a Fiel e merece tal deferência como contrapartida.

    Durante a partida pensei em nada. O raciocínio parou para deixar o coração bater à vontade, no pescoço ou na ponta da chuteira de cada jogador corintiano que estava em campo. Como cada um dos 35 milhões de torcedores, mesclei nervosismo com esperança, ansiedade com certeza. Mas a angústia foi a dona do momento. Não gritei, mas estou com a alma rouca. Lavada também!

    Ao final, com a vitória sacramentada, de pronto lembrei-me de um bom e querido amigo, corintiano com todas as letras e rimas. Janos Tsukalas, o Grego, autor do samba-enredo que deu à escola de samba Gaviões da Fiel, em 1995, o título de campeã do carnaval paulistano. O título do samba é o retrato imediato do que representa a conquista deste domingo para cada um dos que torcem pelo Corinthians: “O que é bom dura para sempre”. E assim será, durará para sempre porque é bom. Não importa que outros títulos não venham, o Corinthians, sob o comando de Tite, chegou onde merecia.

    Em seu samba, logo na primeira estrofe, Grego até hoje canta, quando o encontro em alguns dos bons botecos da cidade: “Me dê a mão, me abraça, viaja comigo pro céu. Sou Gavião, levanto a taça, com muito orgulho para o delírio da Fiel”. Sim, cada torcedor está se sentido no céu, agora ainda mais orgulhoso e fiel. Mais adiante, ainda no samba, o amigo entoa: “Hoje sou criança, reino encantado de brinquedo e fantasia na minha lembrança. Sonhei dourado e brinquei de poesia. Vou te levar pro infinito”. Assim fará cada alvinegro.

    Do emocionante samba de Tsukalas pulo para o hino do Timão, que hoje, mais do que antes, tem razão de ser, pois traz logo na primeira estrofe “Salve o Corinthians, o campeão dos campeões, eternamente dentro dos nossos corações…”. E esse trecho do hino fala por si só, traduz a verdade do agora, do sempre.

    Ser corintiano não é apenas torcer por um clube de futebol. É um estado de espírito, um grito de guerra, uma religião, uma reza sem fim, uma paixão inexplicável, uma história de amor. É a devoção de 35 milhões de torcedores espalhados por todo o País. É isso que faz o bando ser de loucos, loucos por ti Corinthians!

    (*) Ucho Haddad, paulistano da gema e corintiano há cinco décadas, é jornalista político e investigativo, cronista esportivo, escritor e poeta.