A cidadania jamais desaparece, é um status inviolável e muitas vezes etéreo

Editorial –

Celso de Mello é um dos clássicos ministros do Supremo Tribunal Federal, que ao se aposentar certamente engrossará a máxima galeria dos grandes e saudosos magistrados. Duro em suas decisões, mas absolutamente justo e consonante com a lei, o ministro tem uma conduta invejável como integrante do Judiciário, o que, segundo relatos, ecoa em sua vida pessoal. Isso não significa que alguns outros ministros não tenham conduta igual ou semelhante.

Sempre preciso em suas decisões, Celso de Mello mandou um duro e inominado recado ao presidente da Câmara dos Deputados ao votar pela perda do mandato dos parlamentares condenados na Ação Penal 470 (Mensalão do PT). Disse o decano da Corte: “Não se pode vislumbrar o exercício do mandato parlamentar por aquele cujos direitos políticos estejam suspensos. […] Não faria sentido que alguém privado da cidadania pudesse exercer o mandato parlamentar”.

Certeiro foi o ministro ao afirmar que aquele que perde os direitos políticos não tem condições de exercer qualquer mandato eletivo. Contudo, com a devida vênia, este site discorda de parte da declaração do eminente ministro, pois a cidadania não desaparece no vácuo de uma sentença criminal condenatória. Na verdade, a cidadania jamais desaparece, mesmo que o cidadão, célula da sociedade, tenha cometido o mais hediondo dos crimes e seja condenado à prisão perpétua.

Sob o prisma da semântica, a cidadania, em tese, não desaparece nem mesmo quando o cidadão deixa de existir. Para não discorrer filosoficamente sobre o tema, tal pensamento encontra abrigo na recente decisão da Câmara dos Deputados de devolver o mandato aos parlamentares que foram cassados durante a ditadura militar. Alguns desses receberam o diploma parlamentar post mortem. O mesmo ocorre com as homenagens depois da morte, fato comum no Brasil. Ninguém homenageia a memória do homem, mas o cidadão, mesmo que este não mais esteja entre nós. O que confirma que a cidadania é etérea, em muitas situações.

Ademais, o direito à cidadania transcende a sentença condenatória e a privação da liberdade, mesmo que o Judiciário entenda de maneira diversa. Erra sobejamente a Justiça quando, ao condenar criminalmente um réu, decreta a perda da cidadania, inclusive suspendendo o título eleitoral do apenado. O direito ao voto, mesmo sendo este obrigatório, se confunde com o direito à cidadania. Não se pode tirar do cidadão o direito de voto, mesmo que a sentença tenha transitado em julgado e o cumprimento da pena se dê em regime aberto ou semiaberto.

Cidadania se consolida, sob a ótica da legalidade, quando o homem, após vir ao mundo, recebe o seu primeiro documento oficial, a certidão de nascimento. Do contrário, viverá como um ser inexistente em termos legais.

Em outro vértice da presente análise, a cidadania não se extingue ou é suspensa por ocasião da sentença condenatória, pois o apenado que possua bens ou aufira lucro durante o cumprimento da pena receberá do Estado, como um todo, o mesmo tratamento que o mesmo dispensa a qualquer cidadão, ato que se materializa de forma cristalina na cobrança de tributos.

Cidadania, palavra de origem latina, vem de “civitas” (cidade), e representa o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Mesmo condenado e sem os direitos políticos, o apenado não deixa de ser um cidadão, pois continuará a ter direitos e deveres.

No que tange à perda do direito político, a maioria do Supremo agiu em consonância não apenas com o que determina a legislação em vigor, mas também e principalmente com a lógica. Admitir que um parlamentar condenado criminalmente e despossuído dos seus direitos políticos possa exercer um mandato eletivo é o mesmo que imaginar que uma ave seja capaz de voar sem asas.

O Editor