O meu conceito de fidelidade, o michê mais caro do mundo e a traída mais endinheirada do planeta

    (*) Ucho Haddad –

    Quem me conhece com mais intimidade sabe que sou radicalmente contra a traição. Não importa de que tipo seja a traição, sou contra. Pode parecer, para muitos, um pensamento retrógrado em tempos modernos e de liberdade e liberalidade, mas não mudo de opinião em relação a isso por um só motivo. Não me traio, apenas porque não sou libertino comigo.

    Trair é o movimento mais sórdido que uma pessoa pode fazer contra si e contra alguém. Na traição, o primeiro e maior traído é o traidor. Trai o próprio pensamento, o próprio desejo, a essência da alma. Sem contar que trair dá muito trabalho. Além de falso, o traidor precisa ser teatral. Mesmo assim, em algum momento o palco desaba.

    Há quem diga que sou sistemático com determinadas coisas e situações, mas só sei existir assim. O que não significa que não mude para melhorar. Sempre procuro melhorar para continuar o mesmo.

    Uso o mesmo perfume há quarenta anos. Faz tanto tempo que já é difícil encontrá-lo. Abasteço o carro sempre no mesmo posto de combustíveis. Compro pão sempre na mesma padaria, onde logo cedo o simpático atendente coloca sobre o balcão um copo de suco de laranja assim que me vê entrar. Com certa frequência encaro um cheeseburguer no mesmo lugar, também há quarenta anos. Faz tanto tempo que só preciso sentar-me junto ao balcão, pois o que quero vem sem pedir. Pão de queijo como no mesmo lugar há 45 anos. Faz tanto tempo que quando estou sem dinheiro como sem pagar. Mas pago depois. Isso é ser sistemático? Não, é cultivar a fidelidade em relação ao que me faz bem, me satisfaz.

    Em relação ao amor nem preciso destacar que sou mais radical. Já externei este viés da minha personalidade, de forma absolutamente clara, em meus poemas. Só está pronto para amar alguém aquele que consegue se amar. Ao amar alguém amo a mim mesmo. Se trair esse amor, trairei a mim. Amar não aceita aliases, exceções, permissividades, traições, dúvidas e outros quetais. Amar não é o que parece a olhos terceiros, não é o que os outros enxergam. É a melhor paisagem do coração, mesmo que com prazo de validade. É o que um sente pelo outro e vice-versa. É uma história única a dois, é um sonho comum, é uma realidade dual. Amar é uno, é olhar na mesma direção sem deixar de olhar duplamente para si.

    Os que também me conhecem na intimidade sabem que sou contra a prostituição. Seja ela como for. Há quem se prostitua sexualmente, profissionalmente, emocionalmente, financeiramente. Há os que se prostituem em relação ao time do coração, os que prostituem o próprio coração. Há os que prostituem a consciência, a dignidade, a própria história, a crença, a honradez, os admiradores. Prostituem até mesmo a raiva dos adversários, a ira dos inimigos.

    Quando a traição se mistura à prostituição, trata-se de um fato repleto de inexplicabilidades e com direito ao divã do psicanalista mais próximo. Quem faz esse tipo de coisa normalmente limpa a genitália antes de voltar para casa, retorna com a desfaçatez esparramada em face lenhosa. Contudo, entra no próprio lar com o coração ainda lambuzado pela covardia e com a alma áspera como madeira de quinta.

    Ninguém fica ao lado de outra pessoa por conveniência ou obrigação, por maior que seja a capacidade de encenar de um dos protagonistas do casal. Ninguém expõe publicamente uma relação duradoura e supostamente convincente apenas para fazer gazeta, para sair bem na foto.

    O polêmico Silvio Berlusconi – político velhaco e um dos mais ricos empresários da Itália – esteve casado por três décadas com Veronica Lario, que requereu o divórcio tão logo a primeira foto da bacanal promovida pelo então marido ganhou a imprensa italiana. Uma atitude normal de quem sentiu a dor ácida da traição e o amargor de uma exposição pública desnecessária.

    Como deixou bem claro o cientista inglês Isaac Newton em uma da suas três leis, a cada ação corresponde uma reação. Silvio Berlusconi resolveu agir, de maneira irresponsável, como um garanhão solto em pasto repleto de potrancas de aluguel. Veronica Lario, inteligente como a extensa maioria das mulheres, que em hipótese alguma devem ser enganadas, reagiu à altura e mostrou sua força na parte mais sensível e proeminente do ex-marido. O bolso!

    Veronica conseguiu provar a Berlusconi que a fidelidade custa muito menos do que a traição, não sem antes mostrar que um michê nem sempre é tão barato quanto parece. Por ter transformado uma de suas propriedades em lupanar juvenil, onde era constantemente cafetinado por garotas de programa, Silvio Berlusconi terá de pagar 100 mil euros por dia (36 milhões de euros por ano) de pensão à ex-mulher. Dinheiro pequeno se comparado à largueza da atitude do canastrão, mas suficiente para a traída montar um harém particular em qualquer parte do planeta.

    Cada um usa a cabeça como quiser, destrói o coração alheio quando desejar, troca uma decenal história a dois por meras horas de vadiagem. Tudo isso tem um preço. Nesse imbróglio à italiana, paga quem deve, recebe quem tem juízo!