Royalties do Petróleo: o golpe do “estado produtor”

    (*) Ipojuca Pontes –

    Por conta de distorções históricas fomentadas a partir da política de má distribuição dos recursos orçamentários entre as unidades da federação, em geral promovidas pelo governo central, instalou-se no País uma briga de foice pelas receitas provenientes da indústria do petróleo. Rio de Janeiro e o Espírito Santo, para continuar na posse exclusiva dos seus royalties, distribuídos a partir de gestão arbitrária do planalto, se arrogam “estados produtores” – e, por conseqüência, legítimos donos do fabuloso ervanário estimado, de início, em algo em torno de R$ 77 bilhões.

    Pois bem. Deixando de lado as distorções orçamentárias impostas pelos caprichos do governo – um insaciável ogro a avançar sobre a grana das unidades federativas -, há de se indagar o seguinte: o Rio de Janeiro e o Espírito Santo são, de fato, “estados produtores” de petróleo – ou não?

    Vamos por partes (como diria o açougueiro). Pelo que é dado a conhecer as jazidas de petróleo são derivadas de substâncias orgânicas que se acumularam a partir da decomposição de organismos fosseis. A teoria mais aceita é a de que, no passado, tal como hoje, as grandes jazidas de petróleo foram formadas por plantas, folhagens, florestas, restos de animais e resíduos mortos, ou seja, a biota das diversas regiões que, pela ação dos ventos e das chuvas, foi levada para o fundo dos lagos e dos mares. Lá, ao longo dos séculos e pela ação de reações geológicas complexas, as substâncias orgânicas foram transformadas em petróleo. No que hoje se tem por Brasil, alguns dos rios que fizeram migrar as substâncias orgânicas para o fundo dos oceanos, seriam tanto o Carioca, do próprio Rio de Janeiro, quanto o nordestino São Francisco, o Amazonas nortista, sem deixar de lado o papel do diminuto Chuí, entre outros.

    Por sua vez, o fato de se explorar jazidas petrolíferas nas costas da cidade de Campos, por exemplo, não confere ao Rio de Janeiro, lato senso, o direito de se apropriar, majoritariamente, dos royalties do petróleo.

    E isto por uma simples razão: reza no Capitulo II da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que o nosso mar territorial é patrimônio da União, vale dizer, da nação e de todo povo brasileiro.

    Além do mais há nesta arenga uma clamorosa impropriedade, explorada às raias da mistificação pelos áulicos da antiga corte: encarar o Rio como “estado produtor” de petróleo. De fato, quem produz, explora, refina e comercializa em larga escala o nosso petróleo é a Petróleo Brasileiro S/A, Petrobras, empresa de capital aberto cujo maior acionista é a União. Sem esquecer que é com o dinheiro do brasileiro que investe em ações e consome a dispendiosa gasolina, além da grana de investidores estrangeiros, que se explora e produz, em sua quase totalidade, o petróleo e seus derivados no país. Rigorosamente, o Rio de Janeiro e o Espírito Santo não produzem petróleo algum, sendo, no entanto, beneficiários privilegiados de portentosos gastos da empresa bilionária por meio de pagamento de elevados impostos estaduais, ocupação de milhares de empregos, remuneração milionária de serviços, etc. E como lembrete, não seria excessivo ressaltar que a grande maioria da massa de técnicos e funcionários que ali trabalham é formada por brasileiros provindos dos mais diversos estados da federação.

    No momento, como pano de fundo da “batalha dos royalties” do petróleo, se projeta o seguinte quadro: enquanto o Rio de Janeiro vive sua “Era Dourada” (O Globo, 1/01/2013) escorado, segundo dados da Codin, em investimentos que somam mais de R$ 47 bilhões (em boa parte destinados a obras de infraestrutura e vertiginoso calendário de eventos e festividades), 3.800 dos 5.564 municípios, espalhados por 24 estados da federação, vegetam na mais completa penúria, carentes de recursos e condições mínimas de sobrevivência, convivendo com a fome, dor e o abandono.

    No novo round da batalha dos royalties, anunciado para fevereiro, os políticos cariocas, que se dizem “socialistas e republicanos”, prometem obstruir no plenário da Câmara a votação que reafirma a derrubada do veto presidencial em cima das legítimas pretensões dos demais estados. Na sua voracidade cortesã, eles pretendem empurrar para as calendas a votação da justa divisão dos royalties do petróleo, usando expedientes protelatórios que o regimento da casa tolera.

    No resumo da ópera, os áulicos da ex-corte querem dar, com a mão grande, o golpe do “estado produtor”. Resta saber se governadores, prefeitos e parlamentares do resto do país vão ficar “quarando à toa”, inertes diante da pretensão excludente e malandra. (Visto que no Brasil tudo é possível).

    (*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.