(*) Marli Gonçalves –
Venha correndo… Chegou a hora; é a liquidação! Hora boa para quem tem dinheiro, péssima para quem já comprou o que precisava. Fico pensando: peraí! Se podiam vender pela metade do preço, porque já não custava isso antes? Não teriam vendido mais e compensado? Ou era exploração pura e simples, e a gente é que é otário? Dá uma raiva quando pago por uma coisa e no dia seguinte essa mesma coisa está lá, no mesmo lugar, mas muito mais barata que eu tenho vontade de rasgar a coisa. E a vendedora.
Os avisos chegam por terra, mar, email e SMS. Nunca tanta gente lembra de você como nessa época. As plaquinhas e apelos estão em todos os lugares, de todos os tamanhos e cores. As chamadas, talvez poucos entendam exatamente porque são usadas tantas palavras e estrangeirismos para tentar glamurizar a torra, galinha morta, peixe vivo, queima de estoque, a desova, acabar com encalhes, ou para falar de uma coisa só, que acabam complicando coisa simples assim: saldão, bacia das almas, cestinha, descontos e preços mais baixos. Mais em conta.
Mega, super, total, superhiper. É um tal de Sale, off, off price, out price. Isso quando não escrevem em italiano ou em francês. Em chinês nunca vi, ou se vi achei que era um desenhinho. Metade do preço vira “50% off”. Ultimamente, também, inventaram de usar a torto e direito a palavra Bazar. Tudo que querem que pensemos que terão preços muito mais baixos (em geral, mentira deles, lorota boa), virou bazar. Fora que tem alguns que acrescentam um “beneficente” para enternecer nossos corações duros. Uma vez tive curiosidade e perguntei quanto iria para a instituição. A intrincada resposta que recebi não dava mais do que o envio de alguns centavos e, claro, sob determinadas condições.
Outra ideia dos bazares que andam inventando por aí é que as coisas podem estar lá jogadas todas juntas, amontoadas, de qualquer jeito. Você que se vire. Se forem roupas, não tem provador. Tem de ser no olhômetro e, claro, não pode trocar. Ah, tem de pagar à vista, cash, com dinheiro vivo (existe dinheiro morto?). Como dizia meu amigo Servaz, “obrigado por nada”!
Algumas formas de chamar os compradores para liquidações chegam a ser quase ameaçadoras: explosão, bomba, dia fantástico, lápis vermelho. Agora tem até um dedo ameaçador ou uma gostosa global mandando hipnoticamente não comprar nada hoje. Você fica até com medo, ali sem se mexer. “Espere até o fim de semana”. “Não compre”.
Ultimamente apareceu uma novidade recente sobre a qual precisamos falar: uns tais cálculos percentuais e fórmulas einstenianas que, quando você vai ver bem de perto ou não entendeu, ou te enrolaram, ou não era nada disso. Em muitas lojas chama-se desconto “progressivo”: 10%, duas peças; 20%, três peças; 50 %, cinco peças. Se valesse mesmo o que está escrito o consumidor acabaria saindo com um caminhão de coisas e sem pagar nada. Ainda levaria algum dinheirinho de volta.
Há controvérsias, sempre há. Por exemplo, compro uma blusinha e quatro grampos de cabelo na mesma loja. Vale meus 50%? Fico imaginando todo mundo com uma calculadora na mão, contando percentuais. De preferência daquelas que tem um rolinho de papel e que fazem um barulhinho legal quando rodam. Me parecem mais convincentes e você pode usar o papelzinho para esfregar na cara de alguém.
Tem mais. Hoje mesmo vi uma entrevista com uma senhora tida como campeã de liquidação, especializada em grandes lojas de varejo dessas que além de perturbar muito com as suas propagandas chatas e músicas irritantes (fora os garotos-propaganda) promovem o frenesi, pega para capar e verdadeiras maratonas de um dia. Essa senhorinha, acredite, fica dois dias numa fila, e se vangloria de nem ao banheiro ir. Nesses casos, ainda, os coitadinhos – me perdoem, mas são coitadinhos, sim, porque devem comprar tudo quanto é tipo de tranqueira – tem de levar o tal objeto no braço, no muque, do jeito que for, que ninguém entrega nada.
No ano passado apareceram por aqui com a tal Black Friday (sexta negra), dia quando seriam dados descontos es-pe-ta-cu-la-res. Eles não contavam que tinha gente anotando os preços antes da tal promoção e descobrindo várias farsas.
Puxa, seria tão bom se houvesse mais criatividade! Adoro ver matérias sobre aqueles dias que, no exterior, em lojas de departamentos, as pessoas podem comprar bem barato o que conseguirem vestir e então já chegam praticamente peladas. Já vi umas nas quais o barato é a nudez, e sempre em temperaturas bem baixas. Aqui ia ter trubufu de toda a sorte, certamente. Mas a gente ia se divertir.
Outra coisa que me irrita, e acho que a você também. Pode reparar: você está no verão, e a liquidação é de…verão! Nem bem o inverno deu dois passos e pumba! Lá está a promoção de inverno.
Volto a perguntar: se já podia vender mais barato, porque já não botaram o preço razoável? Dá uma raiva!
Mas agora aprendi. Fico quietinha, só esperando aparecerem as tais plaquinhas. Cada vez elas estão mais rápidas. É a crise, estúpido!
São Paulo, garoinha, chuva, chuvão, chuvinha, quente e frio, ouvindo os primeiros acordes Globeleza, 2013
(*) Marli Gonçalves é jornalista – Os camelôs também fazem promoções. Mas o que ando observando é que têm tantos deles vendendo (e tanta gente usando) guarda-chuvas iguais (aqueles, chineses, com uma cor e a bordinha bege, que não aguentam vento, nem muitos dias de uso) que o meu, luminoso, com florzinhas, vai chocar multidões a hora que eu abrir por aí.
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