(*) Carlos Brickmann –
Realismo fantástico, os especialistas que nos perdoem, não é ficção: é a pura verdade. Aqui se realiza uma posse de presidente sem presidente, depois que se proclama que a posse, que será realizada, nem é necessária; e o presidente que não tomou posse, já no pleno exercício de seus poderes, determina quem tomará posse em seu lugar. Na foto, no meio daquele mar de camisas vermelhas, de estrangeiros cantando hinos patrióticos venezuelanos, uma ausência chama a atenção: faltam os dentes podres que, mal e porcamente, bloqueiam o terrível hálito que por ali emana. Mujica, Evo, Ortega, todos lá. Nenhum brasileiro no coro?
Realismo fantástico, caro leitor. Há um cavalheiro no xilindró, devidamente condenado, preso, vendo o Sol nascer quadrado, bebendo café de canequinha (em compensação, o celular dele deve funcionar muito melhor do que o nosso, sabe-se lá por que motivo), querendo tomar posse na Prefeitura de Nazaré Paulista, SP. E há outro que, sabendo que vem aí sua prisão semiaberta, aproveita para desfrutar enquanto pode as benesses que os políticos reservam aos seus – afinal, ninguém sabe o dia de amanhã! Este condenado, tudo indica, poderá até ver o Sol redondo, mas no horário em que o Parlamento deveria funcionar será obrigado a recolher-se ao recesso de seu xadrez (especial, claro, que ninguém é de ferro), sofrendo embora o constrangimento de assistir à novela numa TV coletiva.
Conte fora do Brasil que aqui os cadeeiros querem exercer mandatos eletivos. Mas cuidado: todos os gringos vão achar que o caro leitor é que ficou doidão.
Os depó do pa tropi
Num país de ficção, daqueles supertropicais, em que nem o realismo fantástico funciona porque é muito realista, dois gigantescos conglomerados financeiros acertaram um monumental acordo de fusão (que se chama fusão porque chamar uma operação tão bonita, em que um compra o outro, de tomada de controle, soa meio grosseiro).
As diretorias conversaram, acertaram detalhes, obtiveram a aprovação dos órgãos competentes de controle, negociaram com sindicatos envolvidos uma redução menos ardida no número de empregos, mantiveram a informação sob sigilo absoluto, mas certas providências internas precisavam ser tomadas. Algum jornalista horroroso, certamente golpista, nojentamente pensando em publicar notícias, soube. Os principais veículos de comunicação, neste país em que surrealismo e hiperrealismo são a mesma coisa, foram chamados, informados e instados a colaborar: receberiam a informação desde que a mantivessem embargada até o momento em que, dado o sinal verde do Governo, pudessem publicá-la.
Deu zebra: algum desapercebido avançou o sinal e teve de recuar, como se uma informação sem sentido tivesse surgido do nada, por puro milagre.
Mas espere: toda informação embargada em algum momento é liberada.
Rosa, Rosa, Rosa
Gertrude Stein escreveu em 1913 uma frase famosa: “uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Mas a discussão política de exatamente cem anos depois vai passar por uma variação desta frase, na belíssima letra de Vinícius de Moraes para Rancho das Flores: “Uma rosa não é só uma flor, uma rosa é uma Rosa, é a mulher rescendendo de amor”.
Ah, a força das lembranças poéticas, dos amores d’antanho! Pois gargantas que a ditadura não calou, que a prisão não silenciou, que os afazeres de altíssimos cargos não mantiveram quietas, essas lembranças deram-lhe o toque de silêncio. A saúde voltou, alegria! Mas a eloquência se foi.
É cor de rosa choque
Seria interessantíssimo ouvir o professor Ildo Sauer, especialista em Energia, petista desde que o partido era petista, e que já mostrou, ao longo dos anos, que não mistura seu pensamento político com a análise dos problemas de sua área. Qual será a opinião de Sauer sobre o abastecimento atual de eletricidade?
Troca os Lobões!
Este é mesmo um país curioso. Há um Lobão elétrico, trepidante, preocupado com seu trabalho, que faz sucesso há dezenas de anos; mas quem cuida da energia na área federal é justo o outro, o Lobão desligado da tomada.
O primeiro dos segundos
Durante a Segunda Guerra Mundial, dois grandes generais, Henri Giraud e Charles de Gaulle, disputaram entre si quem comandaria as forças da França Livre, que combatiam os nazistas. Mas na França não conseguiram se instalar: De Gaulle morava em Londres, Giraud no Norte da África. O Governo Provisório da Polônia e o Comitê de Lublin, ambos inimigos dos nazistas, disputavam o controle da Polônia. Mas quem controlava a Polônia eram os nazistas e os soviéticos. O Governo provisório ficava em Londres e o Comitê de Lublin em Moscou.
O que há de ruim na História o PSDB repete: Serra quer mais poder no partido em São Paulo, e há até quem diga que quer mudar de legenda, para disputar mais uma vez a Presidência da República. Fernando Henrique declara que Aécio é que tem de ser o candidato do partido. Alckmin diz que é cedo – quem sabe sobra para ele tentar de novo, usando aquele inacreditável colete tipo Fórmula 1 com logotipos de estatais?
Ganhar a eleição não importa: vale vencer no partido. E, todos juntos chupando o dedo, olhar para os vencidos com ar de vitoriosos.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.