Atire a primeira pedra

(*) Carlos Brickmann –

Vamos deixar de hipocrisia: claro que o deputado federal Marco Feliciano é um sujeito horroroso, que já deu declarações racistas e é processado no Supremo por estelionato. Mas não chegou sozinho à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Teve ajuda de governistas e oposicionistas.

A bancada do PSC é composta por 15 parlamentares e, portanto, não teria direito a vaga nenhuma na Comissão. Mas, numa Câmara como a nossa, cinco partidos se juntaram para quebrar o galho da legenda nanica de Feliciano. Funcionou assim: o PT da presidente Dilma, que sempre ocupou a presidência da Comissão, resolveu trocar este cargo por outro; o PMDB do vice-presidente Michel Temer cedeu ao PSC duas vagas de titular e duas de suplente; o PSDB, que comanda a oposição (sim, formalmente existe um grupo que se intitula “oposição”) cedeu duas vagas de titular; o PP de Paulo Maluf (que apoia a presidente Dilma) cedeu uma de titular; e o PTB, o mais coerente dos partidos, já que apoia quem quer que esteja no Governo, cedeu uma de suplente. Com isso o PSC teve a possibilidade de eleger o inacreditável Marco Feliciano presidente da Comissão.

Processo por estelionato, processo por homofobia, ambos no Supremo, enviados pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Um vídeo notável, em que, como pastor, reclama do fiel que lhe deu o cartão de crédito sem a senha: http://youtu.be/Pyhw4-qVxCI.

E ele ganhou o cargo assim mesmo. Mas lembremos: ele foi eleito pelo voto direto e secreto, por eleitores como nós.

O profeta do Norte

O grande escritor americano Mark Twain escrevia sobre os EUA, mas certamente não permitia que seus pensamentos fossem limitados por fronteiras nacionais.

É dele a frase: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”.

Bons companheiros

Pensando bem, é injusto falar mal de Marco Feliciano apenas porque disse que os descendentes de africanos são amaldiçoados, porque disse que quem dá poucos donativos à sua igreja terá pouca retribuição do Senhor, pelas acusações (que o Supremo examina) de homofobia e estelionato. Num local onde a folha corrida substitui o currículo, que se poderia esperar? Vejamos outras Comissões da Câmara Federal. Para Constituição e Justiça, foram escolhidos dois condenados no caso do Mensalão, João Paulo Cunha e José Genoíno, ambos do PT. Um dos suplentes é José Guimarães, também do PT – aquele cujo assessor foi preso no aeroporto transportando cem mil dólares na cueca. Finanças e Tributação: presidente, João Magalhães, PMDB, da Operação João de Barro. Veja no Google “João Magalhães”, “Operação João de Barro”, com 27 mil citações.

O presidente da Comissão de Meio-Ambiente é o senador Blairo Maggi, do PR. Grande agricultor, seus interesses podem conflitar com a defesa do meio-ambiente.

Mas quem está preocupado em pelo menos guardar as aparências?

O mundo…

O deputado Gabriel Chalita, PMDB (ex-PSDB, ex-PSB), está sendo investigado sob a acusação de receber propinas na época em que foi secretário da Educação de São Paulo, entre 2002 e 2006. Foram propostos onze inquéritos, nove dos quais rejeitados pelo Conselho Superior do Ministério Público; dois prosseguem.

Mas um fato vem sendo esquecido: Chalita era secretário e homem de confiança do governador tucano Geraldo Alckmin. Que tem o governador a dizer sobre o caso?

Que não sabia de nada, não pode: essa desculpa já tem dono.

…em que vivemos

O vereador e coronel Paulo Lucinda Telhada, PSDB, emprega em seu gabinete na Câmara Municipal de São Paulo dois assessores que contribuíram para sua campanha – um, Antônio José Fonseca da Silva, doou cerca de R$ 40 mil (seu salário, como assessor, é de R$ 21 mil mensais); Rodolfo Artur Teixeira Vieira doou aproximadamente R$ 19 mil, e seu salário é de R$ 18 mil. Lucinda Telhada contratou também seu primo David Denis Lobão para a assessoria (nada disso é ilegal – mas indica seu critério de fazer política). Lucinda Telhada comandou a Rota, a mortífera tropa de choque da Polícia Militar paulista. Mantém na Câmara seu estilo imperial: “Isso é uma coisa minha, eu não tenho que dar satisfação a ninguém”. E disse à repórter Lúcia Rodrigues, da Rádio Brasil Atual, que ela deveria tomar cuidado.

Deveria mesmo: logo depois ela perdeu o emprego.

Calma no Brasil

A movimentação em torno do ministro Joaquim Barbosa está começando a ficar engraçada. Um jornalista o chama de “maior brasileiro de todos os tempos”, pipocam em Câmaras Municipais os projetos para conceder-lhe cidadania honorária, há políticos que sonham com sua candidatura à Presidência da República.

Como diria um importante político brasileiro, menas, menas. Barbosa pode até ser picado pela mosca azul, mas até agora não deu o menor indício de que queira ser candidato. Se decidir candidatar-se, numa campanha seu estilo irascível pode até funcionar (com Jânio Quadros funcionou, mas Jânio era um político incomum), mas é mais provável que o torne impopular. E o saber jurídico não é suficiente nem para eleger-se nem para governar. Talvez seja uma revelação; mas é apenas um talvez.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.