Energia nuclear e maledicências

(*) Heitor Scalambrini Costa –

Existem maledicências evidentes quando se defende a expansão de usinas nucleares no país, justificando-as com o que está ocorrendo em diversas partes do mundo, com a necessidade da núcleoeletricidade para garantir o crescimento econômico, e de relacionar a construção dessas usinas no Nordeste com o desenvolvimento regional.

No debate verifica-se uma intransigência de origem daqueles que comandam o setor. E um jogo de interesses de grupos que se beneficiariam caso estes projetos se concretizem, em detrimento dos interesses nacionais. Nem tudo é dito claramente, explicitado a sociedade, quando o assunto é energia nuclear. Há pouca informação manipulada que circula na grande mídia, desnudando o caráter antidemocrático e “fechado” que domina o setor energético, controlado por interesses políticos, econômicos e militares.

Se propagandeia falsamente que a indústria nuclear está em plena efervescência e florescente no mundo. Com mais, e mais paises adotando esta tecnologia como solução para atender suas necessidades energéticas. Toma-se como exemplo, os Estados Unidos da América, país que menos respeita a natureza e o mais poluidor do mundo, juntamente com a China. O EUA declinou de assinar o protocolo de Kyoto, não se comprometendo a reduzir suas emissões de CO2 (o principal gás de efeito estufa – GEE), além de dificultar nos fóruns internacionais, propostas para combater o aquecimento global. Mais recentemente, optou pela produção de gás obtido a partir do betume, combustível fóssil e com grande capacidade de emissão de GEEs. Com certeza, este país não é exemplo para ninguém no que concerne suas escolhas energéticas e a defesa do meio ambiente.

Por outro lado, tenta-se desqualificar a decisão da Alemanha de abdicar da instalação de novos reatores nucleares e de desativar os já existentes em seu território. Chega-se a especular que tal decisão poderá se revista no futuro próximo. Não são citados outros países que também abandonaram a construção de novos reatores, como a Itália, cuja decisão foi referendada em um plebiscito, onde mais de 95% dos votos foram contrários à construção de novas usinas nucleares. Também a Bélgica, Áustria dentre tantos outros que abandonaram a tecnologia nuclear.

A França, símbolo mundial no uso da eletricidade nuclear, com seu governo socialista, prometeu aos seus eleitores na última campanha presidencial, diminuir ao longo dos próximos anos o uso da energia nuclear em seu território, substituindo-a por fontes renováveis de energia. Portanto, os indecisos sobre a questão nuclear devem procurar as informações em diferentes fontes sobre o que ocorre no mundo pós Fukushima.

No Japão, hoje ocorre uma verdadeira queda de braço entre o primeiro ministro, que insiste na reativação dos 50 reatores que permanecem desligados depois da tragédia de 11 de março, e a população. Recente pesquisa de opinião mostra que mais de 70% da população japonesa é contrária ao uso da energia nuclear, e está disposta a impedir que o plano do primeiro ministro de religar as centrais aconteça.

A falácia de que a energia nuclear é essencial para atender as necessidades energéticas é um argumento que vem sendo utilizado desde a ditadura militar. Na época, para justificar o acordo Brasil-Alemanha em 1975, se previa a instalação de oito reatores nucleares e se afirmava peremptoriamente, ser imprescindível esta fonte para ofertar mais energia para o crescimento do “gigante adormecido”. Somente uma foi construída, Angra II, iniciando sua operação em setembro de 1981. Quanto às sete usinas restantes, realmente elas não fizeram falta, e o Brasil não entrou em colapso, conforme se apregoava.

Hoje, a ladainha volta à tona, com uma propaganda enganosa relacionando os “apagões” e desabastecimento com a urgência de se expandir o parque nuclear. Uma mentira sem tamanho, suportada por um planejamento energético equivocado, onde predomina as decisões políticas de um grupo encastelado há anos no Ministério de Minas e Energia, que apóia esta ou aquela tecnologia energética, em função de seus interesses imediatos e não da maioria da população.

Por outro lado, afirmar que a instalação de uma usina nuclear no sertão brasileiro é “uma oportunidade única que poderá ser o ponto de partida de um grande processo de desenvolvimento regional”, trata de uma promessa vaga, destituída de fundamento. E só quem acredita, em papai Noel, mula sem cabeça, saci-pererê, coelhinho da páscoa, e tantos outros personagens do imaginário popular, crê nesta afirmativa.

A instalação de uma usina nuclear, do modelo previsto, orçada em mais de 10 bilhões de reais, produz menos empregos que as indústrias da tecnologia eólica, solar, conforme o relatório sobre empregabilidade das indústrias energéticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Portanto, é um desrespeito ao já sofrido sertanejo alimentar o sonho de que investimentos de bilhões de reais na construção de uma usina nuclear contribuirão para a melhoria de sua vida.

O povo nordestino já foi enganado, ludibriado, inúmeras vezes com propostas deste naipe, superlativas, megalomaníacas, e não vai se deixar iludir mais uma vez.

(*) Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco