Todo dia era, todo dia passou

    (*) Marli Gonçalves –

    Todo dia é dia de tudo. Bem, nem tudo; tem coisa que “já era”. Mas, Baby, me ajude a decifrar quanta coisa todo dia era dia, e que agora nem dia, nem noite. Você fez uma data jamais ser esquecida, e sempre cantarolada. Ói, só! Ninguém nem lembra que 19 é também o Dia do Exército

    Se a gente sempre pudesse fazer canções assim, que se imortalizam, e que bastam apenas alguns acordes para ser reconhecidas, seria demais. Músicas e letras boas, em interpretações valiosas, marcantes, inesquecíveis. Poucos ligam para os índios, mas todo mundo sabe que 19 de abril é dia de lembrar que todo dia era dia deles. Dia também de Santo Expedito, aquele, das causas impossíveis, das causas urgentes, para quem tantos apelam na hora H, perto do momento X.

    Tantas coisas nos vêm à cabeça, de alguma forma até saudosista, ou apenas para tentar fazer constar como era bom. Cenas perdidas no tempo e que não fariam nada mal se ainda hoje sobrevivessem. Mas o rolo compressor vai levando tudo, amassando, jogando fora sem reciclagem, numa maçaroca só, índios, vizinhanças, hábitos, respeitos, histórias e dramas, como esse, indígena, ou mesmo aquele, da mulher que andou na linha e o trem matou. …”Caia na estrada e perigas ver, estamos nos últimos dias de outrora, caminho em linhas tortas divertidamente”…

    Eram melhores ou não os nossos compositores? O jogo das palavras, pensamentos, a forma como inseriam as ideias que viviam ou pretendiam, mesmo em meio à repressão? Todo dia era dia de boa criação. Hoje tem muita malcriação.

    Muitas dessas coisas não vi também, não conheci. Mas já estou aqui a tempo de ouvir muito bom rock, aqueles que movimentavam nossos braços e pernas como se simplesmente não conseguíssemos controlá-los. Não sabíamos exatamente o que as letras em inglês diziam, mas confiávamos que também pensávamos aquilo, confiávamos que deveria ser alguma coisa boa, confiávamos, enfim.

    Eles, nossos ídolos, nos representavam. Recordo agora da centena de cartazes ao contrário desses últimos dias, que vi nas redes sociais e onde protestos pipocam contra um ser abominável, aquele deputado pastor lá. Ele não nos representa.

    Mas sei lá o que você aí pensa. Não quero briga, mas o direito de todos. Coisa meio título de novelas: O Direito de Nascer X O Clone; O Astro versus O Profeta; Pedra sobre Pedra versus Bang Bang; Direito de Amar versus Escrava Isaura. Entendeu? Tipo Viver a Vida versus O Salvador da Pátria. Ou a Senhora do Destino.

    Enfim, todo dia era dia de bater pernas por aí, olhar vitrines, sentar nas calçadas, deixar portas e janelas abertas. Dia de confiar em amigos, de seguir ídolos, de fazer com que nunca morressem, preservados sempre em imagens gloriosas.

    Entendi por que há tanto interesse também em criar dia de tudo. É para beliscar nossa memória, em alguns casos. Em outros, para tentar ganhar algum – aliás, prepare-se! Já estão abertas as propagandas melosas, cremosas e insidiosas de Dia das Mães, algumas tão dramáticas que deprimem principalmente os já órfãos. Ninguém conta que num dia 19 de abril Joana D`Arc foi canonizada, tentando apagar os erros que cometeram contra ela.

    Mas abril nos reserva outras boas lembranças: 18 é Dia do Amigo. 20, Dia do Diplomata e do Disco. 21, do Metalúrgico, a profissão daquele cara que já foi um, lutava por todos, mas que agora parece mesmo que esqueceu que em um 19 de abril de 1980 era preso porque ali, sim, ainda era um líder justo.

    Todo dia era dia. Todo dia era dia de estar com a macaca, e lutar pela liberdade fosse como fosse.

    São Paulo, todo santo dia em polvorosa, 2013

    (*) Marli Gonçalves é jornalista, índia-neta – – A propósito, Santo Expedito também é tido como o santo que nos ajuda a saldar dívidas. Isso não te lembra como é boa hora de acender uma velinha para ele?

    Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo