Perdoa-me por me traíres

(*) Carlos Brickmann –

O vazamento na revista Veja das investigações administrativas sobre Rosemary Nóvoa de Noronha, a “Rose do Lula”, que dirigia o gabinete presidencial em São Paulo, tem certos detalhes curiosos. As investigações sobre as atividades de Rose foram sigilosas; e o relatório, entregue à Casa Civil da Presidência da República, também era secreto. Se secreto era, como apareceu na imprensa?

Vamos combinar que seria muito difícil um repórter, por mais hábil e competente, entrar sem ser notado na Casa Civil, ir direto à sala e à gaveta onde estava o relatório, copiá-lo discretamente e cair fora como se invisível fosse. Como um relatório bem educado não sai sozinho de sua gaveta (e, se o fizesse, teria grandes dificuldades em voltar para casa), resta então apenas uma hipótese: alguém com amplo acesso a ele entregou uma cópia à revista.

Abre-se então o leque: algum funcionário, eventualmente; algum dos responsáveis pela elaboração do relatório; ou alguém influente, interessado não em Rose, especificamente (embora, dentro do Governo, muita gente não goste dela, por considerá-la arrogante), mas em seu grande padrinho político. O caso Rose incomoda o ex-presidente Lula, tanto que, desde que a questão se tornou pública, ele parou de dar entrevistas. Faz mais cinco meses que ele não recebe repórteres brasileiros – e, se há algo que o incomode, é ficar longe dos microfones. É Governo contra Governo.

Na linguagem de guerra, é fogo amigo. Na linguagem política, é “cuidado com meus amigos que com meus inimigos eu sei lidar”.

Resumo da obra

O título da nota anterior foi copiado de uma peça de Nelson Rodrigues, de 1957. Sinopse da peça: Glorinha, adolescente de 15 anos, de classe média, é levada pela amiga Nair a trabalhar num bordel de luxo, que só recebe gente muito influente, incluindo políticos importantes. Aos poucos, seu tio Raul (que, na primeira temporada da peça, foi interpretado pelo próprio Nelson Rodrigues), lhe revela o passado da família.

A peça estreou há 56 anos, mas a vida continua.

Alô, grileiro! Devolva!

O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal que execute uma sentença de 2011 e retome para a União as terras da Fazenda Curuá, no Pará. As terras têm 4,5 milhões de hectares, maior que alguns países. São o maior caso de invasão de terras públicas do mundo. A empresa que tomou ilegalmente a gleba, a Indústria, Comércio, Exportação Navegação do Xingu Ltda., faz parte do Grupo C. R. Almeida, que nasceu como empreiteira. O procurador da República Felício Pontes Jr. pediu também à Justiça que questione a Funai sobre ocupação ilegal de terras indígenas na área.

O Grupo C. R. Almeida, condenado pela grilagem, é também um dos maiores concessionários de estradas do país, que incluem o sistema Anchieta-Imigrantes e a ligação entre Curitiba e o Porto de Paranaguá.

Questão legal

Para acompanhar o caso, o endereço é http://goo.gl/JCQ9K. O processo é o de número 0044157-81.2010.4.01.3900 – 9ª Vara Federal em Belém.

Justiça que tarda é falha

Quase 20 anos depois do Massacre do Carandiru, em que 111 presos foram mortos na invasão do presídio pela tropa de choque da Polícia Militar paulista, 23 policiais foram condenados, cada um, a 156 anos de prisão. Não serão presos, entretanto; os que permanecem na ativa na ativa continuarão, até que se esgotem os recursos possíveis. De acordo com os cálculos do promotor Mário Friggi, o prazo para que os recursos se esgotem é de aproximadamente dez anos.

Um julgamento curiosíssimo: as testemunhas, por exemplo, foram chamadas a lembrar detalhes do que ocorreu há 20 anos, quando o presidente da República era Collor e Romário e Bebeto formavam a dupla de área da Seleção. Os condenados receberam sentenças de 156 anos de prisão, convertidos em 30 (pena máxima pela lei brasileira), dos quais cumprirão cinco em regime fechado, se tiverem bom comportamento. Isso só depois de passado o longo prazo para recursos.

Não se discute o mérito da sentença: mas, com a demora, Justiça isso não é.

Pois é

O ex-presidente Lula assinou contrato com o The New York Times para enviar-lhe uma coluna mensal, que o jornal publicará no seu portal noticioso e distribuirá internacionalmente, exceto para o Brasil. O pedido para não ser divulgado no Brasil foi feito pelo próprio Lula. A coluna de Lula deve tratar de política e economia, além de iniciativas para combate à fome e à miséria. O valor do contrato de Lula com o jornal americano não foi divulgado.

Com outros olhos

Não reclame: desta vez, a passeata na avenida Paulista, SP, que começa em frente à Fiesp, merece o apoio de todos. A caminhada comemora o Dia Internacional do Cão-Guia, hoje, dia 24, e é promovida pelo Instituto Íris, organização que se dedica a oferecer gratuitamente os caríssimos cães-guia a deficientes visuais.

A formação de um cão-guia é lenta, requer altos investimentos e profissionais especializados. O déficit, no Brasil, é de 12 mil cães-guia. Vale apoiar: um animal treinado muda para muito melhor a vida de quem o recebe.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.