Cada palavra, cada imagem que retrata os jovens nas ruas clamando por algo, nos mobiliza. A questão é como e pelo que eles se unem.
Para os que leem notícias, é óbvio que há de tudo um pouco nesse movimento: há aqueles que têm sim consciência de estarem vivendo em um país governado por corruptos, por bandidos qualificados, pela insegurança que sentimos em casa e nas ruas, pelo total descaso com a saúde e educação, por um abandono completo ao sistema de transporte. Há, também, os infiltrados, que estão ali por serem tão ou mais bandidos do que aqueles que os recrutam para saquear, para desmoralizar um movimento totalmente legítimo em suas reivindicações, para ultrajar, novamente, as ações dos cidadãos de bem. Há aqueles que estão ali nem por isso ou aquilo, mas que sem consciência crítica alguma, vão seguindo amigos na multidão. E há os que atuam em causa própria, apenas para se sentirem parte de um grupo.
O que foi feito com a conquista dos caras pintadas? O que foi feito com a conquista das Diretas Já? E com o Impeachment?
Precisamos olhar para essa parte da história do Brasil e fazermos tudo diferente, se queremos realmente melhorar nossa condição de vida. Como? De imediato, tendo a clareza de que não somos bons em tudo nem o tempo todo; reconhecendo que temos nossas competências e nossas fraquezas e permitindo que cada um atue nas suas competências, buscando aprimorá-las e superando suas deficiências.
Quem é bom no circo, que faça o seu melhor na arte de divertir os outros. Seja O Malabarista, O Palhaço, O Mágico, mas faça a diferença ali, naquela arena. É bom cantor? Suba aos palcos, cante, encante, divirta as pessoas, faça-as se emocionarem. Seja O Artista, mas faça a diferença ali, naquele palco. É bom esportista? Jogue, corra, salte. Empenhe-se em alegrar milhões de brasileiros com sua aptidão. Mas faça a diferença, ali, naquele campo. É bom em alta costura? Desenhe, crie, modele. Dê o seu melhor para embelezar os corpos de homens e mulheres. Mas faça a diferença ali, com seus holofotes, no seu ateliê.
Assim como o médico tem obrigação de buscar a cura para os doentes, o lixeiro de retirar o lixo das lixeiras, o carteiro de fazer chegar a correspondência ao destinatário, o professor de ensinar, todos os profissionais têm a responsabilidade de fazerem o seu melhor. No trabalho, além do próprio sustento, há que se buscar a realização de vida! Mas… cada um no seu quadrado.
E, na minha visão, essa é a grande falha nossa, do povo brasileiro. Jogamos fora todas as tintas que usamos para pintar as caras e ir às ruas, na década de 90. Esquecemos a importância de um voto e, sem cultura nenhuma, elegemos, em sua imensa maioria, pessoas totalmente despreparadas para a função política, além de muitos maus-caracteres para nos representar. Mesmo que os autores dessa façanha enfadonha contra o Brasil não tenham sido eleitos por mim, sinto-me responsável também, pois sou parte dos brasileiros. Não é o momento de me eximir. Ao contrário; o caos está aí, vamos transformá-lo em possibilidades positivas.
Então, se não somos bons em votar, que aprendamos a fazê-lo, porque somos nós os grandes responsáveis por encorajar quem não entende nada de política a subir em palanques e pedir votos. Por isso política virou sinônimo de roubo, mau-caratismo, indecência. Porque não sabemos votar e rimos quando cidadãos incapazes para a ação de governar, se candidatam sem plano de governo, apenas com o carisma conquistado, seja pela sua competência em comunicação, seja pela sua audácia em vencer na vida – depende do que se entende por vencer na vida – às custas dos eleitores ignorantes.
As famílias precisam conversar sobre esse movimento da última semana, frisando que é apenas a ponta de um novelo enorme, mas que precisa ser desenrolado e enrolado novamente, da maneira correta. Como? Com ética, sem se deixar corromper. O poder corrompe? Não generalizo; pessoas éticas não são corrompidas; pessoas que têm essência e dignidade, podem assumir o poder e se manterem incólumes. São princípios que nascem na família!
As escolas não podem deixar passar essa oportunidade de aprendizagem que ultrapassou as paredes e os muros da sala de aula. Se, por um lado, a rua traz a droga, a sexualidade pervertida, os desencantos, dessa vez a rua está trazendo a melhor chance para se fazer educação. Os professores precisam discutir questões históricas, sociais, políticas, noção de grupo, de trabalho pela sociedade; precisam instigar seus alunos a pensarem como se faz história e para qual mundo querem trabalhar. É hora de tirarmos aquela frase linda do papel – que existe na quase totalidade das escolas, em seu Projeto Político Pedagógico, “desenvolver o senso crítico e o espírito de cidadania do aluno”- e colocá-la em prática. É hora de levar a rua para a sala de aula.
Os jovens são eleitores! Quem colocou no poder o cantor, o estilista, o palhaço, o ex-jogador?
Eleição não é brincadeira e Brasília precisa deixar de ser uma tenda de circo, um campo de futebol, um palco, um ateliê, para virar capital do Brasil.
O Brasil, depois desse movimento todo, não pode se calar diante das aberrações que aí continuam. Vamos aceitar médicos estrangeiros? Vamos permitir que continuem as filas nos hospitais? Crianças fora da escola?
É chegada a hora de planejar. Planejar o que fazer com esse barulho. Podemos continuar esse movimento cobrando que assumam ministérios e secretarias apenas pessoas qualificadas para tal, impedindo que sexólogos assumam a pasta da Cultura, que administradores queiram comandar a Educação. Chega de tiro no próprio pé.
Em nossas mãos há uma oportunidade que não é a primeira, mas que precisa colocar um ponto final nessa “desgovernança”, nessa baderna, na total falta de respeito a uma nação inteira.
Passou da hora de sermos prudentes. Estamos atrasados, mas sempre é tempo!
(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.