Adoção do euro pela Letônia gera temor de novo paraíso fiscal na União Europeia

Pé atrás – A entrada da Letônia na zona do euro foi recebida como mais um passo ousado do bloco europeu, que seguiu adiante com os seus planos de expansão apesar da severa crise. Mas muitos temem que, a partir de 1º de janeiro de 2014, com a adoção oficial da moeda única, o país báltico torne-se o novo paraíso fiscal da zona do euro.

Apesar de a Letônia preencher com segurança os critérios de Maastricht, críticos acreditam que os benefícios tributários para a instalação de holdings em seu território poderão tornar o país um “novo Chipre”. E, em algumas partes da nação báltica, um observador casual pode mesmo ter a impressão de que há semelhanças entre os dois países.

A cada verão, o glamour do show business atrai mais e mais turistas às praias de Jurmala, próxima à capital Riga. Há 12 anos, a cidade recebe o concurso de música New Wave, do qual participam muitos cantores iniciantes provenientes da Rússia e de outras ex-repúblicas soviéticas. O evento se tornou um ponto de encontro informal para os ricos e poderosos da Rússia, atraindo oligarcas como Mikhail Fridman e Roman Abramovich.

“O New Wave impulsiona a popularidade de Jurmala e da Letônia, e claro que também ajuda o setor de imóveis”, explica Andrey Shcherbakov, diretor do departamento imobiliário do Rietumu Banka, um banco privado para clientes mais abastados provenientes principalmente de Rússia, Ucrânia, Cazaquistão e outros países da antiga União Soviética.

O Parlamento letão aprovou em 2010 uma lei que possibilita aos estrangeiros que adquirirem propriedades no valor de mais de 140 mil euros obterem também vistos de permanência de cinco anos de duração, válidos para a Letônia e para a União Europeia (UE). Desde a aprovação dessa legislação, mais de 377 milhões de euros já foram investidos no setor imobiliário por estrangeiros.

“Notamos de fato um aumento no número de clientes, estamos abrindo várias contas bancárias novas”, afirma Shcherbakov.

Ele observa que o fluxo de novos compradores de imóveis na Letônia aumentou após a recente crise no Chipre, dando a entender que o capital que estava no país do Mediterrâneo flui agora em direção ao Báltico.

“São clientes que utilizam os bancos letões como um centro financeiro, e podemos notar uma diversificação nos investimentos. Eles não transferem simplesmente seus recursos para um novo banco, mas também adquirem propriedades e investem no país”, explica Shcherbakov.

Impostos mais leves

Transformações ainda maiores ocorreram em 2013. Desde janeiro, mudanças significativas foram feitas no imposto de renda das empresas, o que deixou a Letônia ainda mais atraente para a criação de holdings. Em entrevista recente à revista Spiegel, o alemão Sven Giegold, deputado no Parlamento Europeu, classificou o país como o “novo paraíso fiscal da zona do euro”.

A nova lei introduz benefícios para quem paga imposto de renda, por exemplo, permitindo uma isenção para dividendos pagos por residentes para não residentes. Além disso, a partir de 2014, holdings letãs não serão mais taxadas em lucros e royalties enviados para empresas no exterior.

Essa mudança deixará o país ainda mais atrativo para investidores estrangeiros que resolvam instalar suas holdings na Letônia. Além disso, qualquer imposto que as corporações ainda tenham que pagar terá teto máximo de 15% – uma das taxas mais baixas da Europa.

“Basicamente, existe a intenção de desenvolver um setor bancário na Letônia que possa prestar serviços aos não residentes, seguindo o modelo cipriota”, afirma o economista Janis Oslejs.

Ele também se preocupa com a tentativa do país de atrair capital através da venda de imóveis para cidadãos da Rússia e de outros países.

“Se a Letônia não encontrar um caminho para o crescimento rápido de suas indústrias básicas e se não estabelecer uma base sólida para a sua economia, estaremos entrando na mesma pirâmide instável que vimos no Chipre”, alerta Oslejs.

Ponte entre leste e oeste

O primeiro-ministro Valdis Dombrovskis, o grande defensor da entrada na zona do euro, está confiante que seu país não terá o mesmo destino do Chipre. Em entrevista à DW, ele disse que as novas leis de impostos foram extensamente debatidas e afirmou ainda que o Ministério das Finanças não prevê qualquer efeito fiscal negativo com a nova legislação.
“Quando implementamos as leis de consolidação fiscal, nossos impostos foram elevados significativamente”, defende.

Por exemplo, o imposto sobre o valor adicionado (IVA), que era de 18% antes da crise no Chipre, agora está em 22%. Quanto ao pagamento da previdência social estatal obrigatória, o aumento foi de 33% para 35%. Os impostos sobre negócios, como a comercialização de imóveis, também aumentaram. Além disso, existem novas taxas sobre a renda e o acúmulo de capital.

Natalya Tkachenko, diretora-executiva do Baltic International Bank em Riga, parece concordar com a calma de Dombrovskis. Seus cálculos sugerem que não houve uma corrida repentina aos bancos letões ou aumentos significativos nos depósitos dos residentes estrangeiros.

“Havia cerca de 313 milhões de euros depositados em nosso banco no final de fevereiro último, e agora o total é de 322 milhões. Isso significa um aumento de 3%, o que é perfeitamente normal”, explica Tkachenko. Sua instituição é especializada no atendimento a não residentes provenientes de Rússia, Ucrânia e Inglaterra.

Ela analisa que não houve um fluxo significativo de investimentos em seu banco desde a crise no Chipre, mas acrescenta que notou um interesse maior na possibilidade de estabelecer holdings na Letônia por parte de investidores da Comunidade dos Estados Independentes (Rússia, Belarus e Ucrânia) que desejam transferir seus negócios para o país.
Apesar das crescentes preocupações do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia em seus relatórios quanto ao aumento significativo nos depósitos dos não residentes, Dombrovskis argumenta que a importância do setor bancário para a economia da Letônia está bem abaixo da média da UE.

“Por exemplo, se os ativos do setor bancário no Chipre equivalem a 700% ou 800% do Produto Interno Bruto (PIB), e na UE giram entre 360% e 370%, na Letônia os níveis são inferiores a 130%”, defende o premiê.

Depósitos estrangeiros

Apesar das vantagens oferecidas para o dinheiro vindo de fora, dados publicados pela Comissão de Finanças e Mercado de Capitais afirmam que a proporção de depósitos de não residentes na Letônia era de 48,9% em 2012. Em 2002, a parcela era de 54%, e em 2009, quando o país sofreu a pior recessão da UE, caiu para 38%.

“Observamos primeiramente se todos os critérios são levados em conta quando cada dólar, euro ou qualquer outra moeda é investida”, afirma Kristaps Zakulis, chefe da comissão. “Examinamos cada investimento, sua procedência e se possui origem legal. Os bancos têm que preencher uma série de pré-requisitos para prevenir a lavagem de dinheiro.”

Segundo Zakulis, 13 dos 29 bancos trabalham principalmente com clientes não residentes e são obrigados a seguir critérios rígidos, como, por exemplo, assegurar maior liquidez de capital do que os bancos que lidam com depósitos dos residentes.

Mas nem todos concordam com Zakulis. Como, por exemplo, Markus Meinzer, analista sênior da organização alemã Rede de Justiça Tributária, que promove a transparência em finanças internacionais.

“É um erro permitir essas baixas taxas de imposto, assim como as isenções fiscais – e isso em combinação com um rígido sigilo bancário e com falhas no combate à lavagem de dinheiro”, alerta o especialista.

Mas ele também defende que é um equívoco cobrar individualmente de um Estado e exigir que os novos membros sigam padrões que ninguém mais na UE e na zona do euro tem vontade política de implementar. Por ser o membro mais novo, o foco está agora na Letônia, mas Meinzer argumenta que seria muito melhor se a UE arrumasse a sua própria casa no que diz respeito a impostos corporativos e oportunidades de investimento.

Como o governo letão gosta de enfatizar, a economia do país é apenas uma gota no oceano. A questão é se essa gota poderá causar uma inundação, uma vez que outros países da UE passam por dificuldades e as novas adesões desejam impulsionar suas economias com investimentos rápidos e fáceis. (Deutsche Welle)