Fora de controle – Em poucas semanas, a Irmandade Muçulmana foi do seu ápice como organização política a uma situação de quase ilegalidade. Até o início de julho, tinha o presidente, Mohamed Morsi, logo deposto de forma sumária pelos militares. Agora, coleciona mortos em suas fileiras e luta, sob ameaça de ser proibida pelos militares, por sua sobrevivência política. Muitos de seus líderes estão presos, e seus seguidores, irados, não dão mostras de que vão desistir.
“Nós damos o nosso sangue e alma por Morsi”, dizem durante os protestos. A organização estima que, só desde quarta-feira passada (14), mais de 800 de seus partidários foram mortos e mais de mil foram presos em enfrentamentos com as forças de segurança, a maioria no massacre contra acampamentos no centro do Cairo.
O clima de instabilidade ameaça se agravar e adicionar um novo elemento de volatilidade à queda de braço entre islamitas e militares. Nesta segunda-feira (19), as autoridades judiciais egípcias ordenaram a libertação do ex-ditador Hosni Mubarak, preso desde 2011 sob uma série de acusações, e ainda não se sabe como a Irmandade e outros atores políticos do país vão reagir.
O governo militar justifica suas ações contra os manifestantes dizendo estar “em greve contra o terror” – para eles, a Irmandade Muçulmana é um grupo terrorista. Há dois anos, a organização islamita era proscrita, e agora o primeiro-ministro interino, Hazem al-Beblawi, ameaça novamente proibi-la. “Não é possível se reconciliar com aqueles que têm sangue nas mãos”, afirma.
Críticas do Ocidente
As críticas mais fortes vêm do Ocidente. “A violência e matança dos últimos dias não podem ser justificadas nem toleradas em silêncio”, diz um comunicado assinado pelos presidentes do Conselho da União Europeia, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia, José Manuel Barroso.
A chanceler da Itália, Emma Bonino, fez um alerta sobre a proibição da organização: “As consequências serão, com certeza, devastadoras. Isso significa que eles serão empurrados para a clandestinidade e as facções extremistas serão fortalecidas. Se o Egito for tomado pelo caos e instabilidade, essa onda vai atingir toda a região.”
Para Günter Meyer, especialista em Egito da Universidade de Mainz, proibir a Irmandade não contribuiria para acalmar a situação. “A amargura da Irmandade Muçulmana é muito grande. Eles acreditam que estão certos, afirmam que foram eleitos. Mesmo proibidos, farão de tudo para continuar a luta. Assim, há o grande perigo de a organização desaparecer na clandestinidade.”
Grande parte dos manifestantes a favor de Morsi ainda é pacífica, afirma o especialista, que alerta, no entanto, que cada vez mais radicais armados estão se misturando a eles. No caso de uma proibição, diz Meyer, essa reação pode piorar.
Segundo o especialista, a proibição não ameaça a existência da organização, que tem uma base ampla entre a população, construída durante anos com base em uma extensa rede de auxílio a seus adeptos.
Além disso, a Irmandade Muçulmana tem experiência no convívio com um Estado repressivo. Várias mudanças aconteceram nos seus 85 anos de existência. Em alguns momentos puderam participar da vida política, em outros tiveram confrontos violentos com o governo. Muitos de seus seguidores estiverem presos durante anos, inclusive Morsi.
Onda de violência
No domingo (18), o general Abdel Fattah al-Sisi, chefe das Forças Armadas egípcias, novamente pediu à Irmandade Muçulmana que encerre os protestos e volte a participar do processo político. “O Egito tem lugar para todos”, afirmou Sisi, que, ao mesmo tempo, ameaçou manter a repressão. “Nós jamais vamos ver em silêncio a destruição do país.”
Para Meyer, um acordo entre militares, governo de transição e Irmandade Muçulmana é improvável. “Os distúrbios que vivenciamos agora não são um fim. Uma solução pacífica e política para o conflito ainda está longe de se tornar realidade.”
Segundo o especialista, o abismo entre oposição e seguidores do presidente deposto é grande. A cada nova morte cresce o ódio. E, engessada entre islamitas e o governo, as organizações de direitos humanos pouco podem fazer.
O especialista em Egito Philip Luther, da Anistia Internacional, fala de uma “violência excessiva” das forças de segurança contra os manifestantes. Embora alguns manifestantes fossem violentos, afirma, a reação da polícia foi desproporcional e não diferenciou na multidão radicais e manifestantes pacíficos.
Segundo o especialista, a violência atingiu também pessoas que não estavam participando dos protestos. Mais chocante, alerta Luther, é a utilização de munição pesada com os civis. A Anistia exige uma investigação sobre o procedimento das forças de segurança e também a visita ao país de um relator especial das Nações Unidas. Ela pede, ainda, que as autoridades egípcias protejam cristãos e outras minorias. (DW)