(*) Lígia Fleury –
Com o avanço da tecnologia, das pesquisas científicas, das diferentes áreas do conhecimento, a vida ganhou qualidade. Pelo empenho de diversos profissionais, o ser humano vive mais e com saúde; prevenção parece ser a tônica do momento. Posso ser sadia, politicamente correta, conscientemente ecológica, curiosa por novos saberes, corresponsável por uma sociedade de pluralidade cultural e, apesar de me empenhar ao máximo para ser minimamente um pouco de tudo isso, sinto-me pequena, com aquele sentimento já descrito por amigos, vergonha alheia. E o que me dói mesmo é saber que desumanos e irresponsáveis dirigem esse país, que tinha ou tem, nem sei mais, tudo para dar certo.
Escrevo sobre inclusão.
Na DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, está claro:
“Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais
“Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles:
• atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais.”
A LEI Nº 9394/96 – LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL – 1996, CAPITULO V, DA EDUCAÇÃO ESPECIAL diz que:
Art. 59 – Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
A Resolução do Conselho Nacional de Educação nº1/2002, define que “as universidades devem prever em sua organização curricular formação dos professores voltada para a atenção à diversidade e que contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais
Não são leis novas, assim como não é nova a minha indignação. O país que faz as leis, que cria deliberações, que assina acordos com a UNESCO assumindo a responsabilidade em formar educadores para o trabalho com a inclusão social e cognitiva, esse mesmo país descumpre suas leis e tira da cartola uma possibilidade de eliminar o magnífico trabalho desenvolvido por quem sabe fazê-lo.
A APAE, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, fundada há mais de 50 anos, faz um trabalho maravilhoso com crianças, jovens e adultos deficientes. Esse trabalho envolve atendimento às famílias, incentivo ao desenvolvimento do potencial de cada aluno, atividades para que se socializem, superem suas dificuldades, sintam-se acolhidos, úteis, inseridos em uma sociedade. Muitos trabalham e frequentam a APAE como suporte psicológico, afetivo, cognitivo e social.
Os profissionais que lá atuam são preparados, buscam formação contínua, se doam de corpo e alma, estudam, se dedicam. Agem com o coração, com a alma e com a competência profissional necessária para tal atuação.
Essa instituição sobrevive de doações. Espalhada pelo Brasil inteiro, os profissionais contratados ou voluntários, cumprem seu papel de cidadão com dignidade, oferecendo qualidade de vida aos alunos e familiares.
O governo, o corrupto governo, que deveria ter honrado o compromisso de formar professores para que pudessem atuar em salas de ensino regular com toda a diversidade de aluno existente, não o fez. A matriz curricular de qualquer curso de Pedagogia não oferece número de horas aula suficiente para que se ensine como trabalhar com os alunos de inclusão. O que dizer dos professores graduados em outros cursos?
Fizeram lei, mas não cumpriram. Em sala de aula temos inclusão social e cognitiva, ou seja, alunos com deficiência física e com limitações de aprendizagem as mais diversas. Quem ensina esses professores a trabalhar com essa sala diversa?
Fizeram a lei e não deram subsídio para cumpri-la. Pessoas de bem foram atrás e fundaram as APAEs. Com que direito querem fechá-las? Baseados na lei de inclusão que obriga todas as escolas a aceitarem todos os tipos de inclusão?
Acreditem, é mais um tiro no pé do brasileiro; é mais um soco no estômago dos educadores; é tirar o chão dos alunos e familiares que devem a essa magnífica instituição a possibilidade de uma vida melhor.
Se os professores fossem capacitados em sua graduação, se as escolas oferecessem o suporte necessário para receber esses alunos, seria tudo perfeito. Por quê?
Porque trabalhar com inclusão é um privilégio. Uma riqueza, um alento, uma alegria. Em minha trajetória profissional, posso garantir que conviver com crianças e adolescentes de inclusão é muito mais gratificante para quem convive com eles do que, talvez, para eles próprios. A imensidão do que eles nos ensinam é algo inimaginável. Eles transformam a nossa vida, nos fazem repensar valores, nos ensinam a grandeza do SER; nos desafiam a superar nossos limites do conhecimento, aguçando nosso desejo de aprender a aprender. Com eles e para eles. Mas é preciso saber fazer!!
Na APAE isso é rotina, uma rotina difícil, árdua. São histórias maravilhosas de conquistas e também de perdas. Mas são histórias de quem sabe fazer, de quem tem o Dom de despertar no outro o que ele tem de melhor.
O governo não fez sua parte. Não tem o direito de querer cumprir a lei sem capacitar os profissionais. Não tem o direito de tirar das famílias a possibilidade de escolher em qual escola querem matricular seu filho.
Há indícios fortes de que estamos mesmo em uma ditadura.
O povo foi às ruas por R$ 0,20 apenas? Claro que não! Não posso acreditar que o brasileiro vá se conformar com tamanha crueldade. É perverso demais para ser Humano.
(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.