Voz da experiência – Após o recuo britânico, os Estados Unidos continuam em busca de apoio para uma intervenção militar na Síria, mas, ao que tudo indica, terão de agir ao lado de poucos aliados. Uma opção errada, segundo Zbigniew Brzezinski, assessor de segurança nacional de Jimmy Carter durante seu governo (1977-81).
Em entrevista à Deutsche Welle, Brzezinski, hoje professor na Universidade Johns Hopkins, diz que o desafio é regional e não pode ser abordado como um problema meramente sírio. Por isso, afirma, é fundamental a participação de outros países, como a Turquia.
“Ações de retaliação frente a uma transgressão moral grave como o ataque químico devem ser parte de um projeto maior, com objetivos estratégicos em mente e não somente punitivos”, diz o especialista. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Uma intervenção contra o regime Assad parece inevitável. O senhor apoia uma ação militar?
Zbigniew Brzezinski: Minha opinião é que essa ação, caso venha a ser tomada, deve fazer parte de uma estratégia maior. Caso contrário, pode se tratar de uma resposta punitiva apropriada, mas iria resolver o problema? Existe uma estratégia para a solução do problema? E quem faz parte dessa estratégia e quem não faz? Essas são questões sobre as quais as pessoas têm que pensar seriamente antes de se aventurar numa ação militar que – embora justificada moralmente levando em conta a natureza da infração envolvida, ou seja, crimes contra a humanidade – ainda poderá ter consequências que podem não ser nada desejáveis.
O governo Obama tem uma estratégia ou um plano maior para a Síria após a ação militar?
Se tiver, trata-se de um segredo muito bem guardado.
Que tipo de plano o senhor gostaria de ver?
Parece-me que, no caso da Síria, o problema faz parte de um dilema maior levando em conta o levante no Oriente Médio. A solução para esse conflito não pode ser baseada inteiramente no poder militar nem deve depender quase que exclusivamente das potências ocidentais. Fiquei impressionado com a reação inicial do Reino Unido e da França de, aparentemente, apoiar o ataque militar. E eu também estou ciente do fato de que ambos os países são antigas potências imperialistas, colonialistas naquela região.
Dada a contemporaneidade do que chamei em meus escritos de “despertar político global”, uma política de força baseada primariamente no Ocidente e, em alguns casos, em antigas potências coloniais não me parece ser um caminho muito promissor para uma eventual solução do problema regional.
O senhor mencionou a necessidade de uma coalizão mais ampla. O que quer dizer com isso?
Eu acho que, no mínimo, a Turquia deveria estar envolvida aberta e diretamente, caso isso venha a acontecer. E acredito que deva haver alguma expressão de aprovação e apoio por parte de outras potências que dependem de algum grau de estabilidade mínima no Oriente Médio para o seu próprio bem-estar econômico. Em outras palavras, eu tenho em mente algumas potências asiáticas que dependem da energia fluindo de forma estável a partir do Oriente Médio.
O senhor não mencionou a Rússia em sua lista de países. Que papel deve desempenhar Moscou?
Um papel sensato para a Rússia seria juntar-se à comunidade internacional para definir em conjunto alguns padrões comuns, não somente para o problema da Síria, mas também para um amplo acordo com o Irã a respeito de seu programa nuclear e, é claro, um apoio ativo para a solução do problema palestino-israelense, que é responsável por algumas das tensões existentes.
Todas essas coisas têm de ser tratadas num contexto mais amplo e, em minha opinião, não devem ser confinadas a uma resposta militar isolada por parte de um pequeno número de países ocidentais, alguns deles com experiências históricas não particularmente construtivas.
Como o senhor interpreta o fato de que o governo Obama não está realmente tentando incluir a ONU em seus esforços e, em vez disso, está basicamente tentando recrutar a Otan?
Eu não sei se você está certo em caracterizar o governo Obama dessa forma. Eu acho que ele gostaria de ter uma aprovação da ONU [para uma missão militar], mas está preocupado que tal esforço seja vetado pelos russos, provavelmente também pelos chineses. Isso sugere que várias discussões sérias devem ser realizadas com países que, de uma forma ou de outra, se sentem afetados pelas consequências de uma rápida escalada da violência na região.
Em poucas palavras, o problema é que a questão é maior do que a Síria e não pode ser abordada como um problema meramente sírio. E, em segundo lugar, ações de retaliação frente a uma transgressão moral grave como o ataque químico devem ser, mesmo assim, parte de um projeto maior, com objetivos estratégicos em mente e não somente punitivos.
Que tipo de repercussões podem ser esperadas ou temidas após um possível ataque militar? Assad já ameaçou levar os EUA a uma segunda Guerra do Vietnã. Isso deve ser levado a sério?
Toda analogia tem algum grau de propriedade, mas também pode ser algo enganador. Acredito que haja muitos aspectos do problema vietnamita que são diferentes da Síria – não menos importante é o fato de que existe uma oposição a Assad na Síria que é bastante substancial, mas que não é atraente em todos os aspectos.
Para resumir, então o senhor não está convencido de que uma ação militar iminente contra a Síria seria a decisão certa neste momento?
Eu não vejo um contexto estratégico maior para que isso aconteça. E estou preocupado que os participantes tenham uma base estreita, ou seja, os EUA e as antigas potências coloniais. Para mim, isso vai criar, provavelmente, um problema político imediato.