Começar. De novo e de novo

    (*) Marli Gonçalves –

    Todo dia a gente não faz tudo igual, até porque estão tão rápidas as mudanças que 24 horas é tempo para chuchu, inclusive para mudar de ideia e rumo. Precisamos nos renovar e reinventar o tempo inteiro, e assim, aos soquinhos e pulinhos, vamos levando a vida. E tudo isso dá música, dá um samba danado, para vivermos dançando

    Começar de novo, cotidiano, superação, vida. De tudo quanto é jeito e ritmo, música e literatura já exploraram esses momentos sempre muito ricos. Há horas em que este assunto apenas se torna pouco mais aflitivo, quando a cobrança de todos os diabinhos e anjinhos que habitam dentro de nós vira uma espécie de guerra particular. Às vezes até bem violenta, quase mortal, sempre dilacerante.

    Consegue se reconhecer? Como lida com isso? É fácil, difícil? Como faz quando precisa? Joga tudo para cima? Lamenta ou se arrepende? Faz que não é com você?

    Numa semana de perdas importantes de pessoas marcantes, depois de um mês de agosto em que todo mundo tem um bom desgosto para contar, confesso, amigos, um cansaço terrível e até certo desânimo, principalmente nos assuntos que dependem da coletividade, da consciência social, do sentido de união e reconhecimento. O que fazem ao país acaba se refletindo diretamente no nosso mundo particular – mudando planos, impondo desafios e também muitas impossibilidades. Fatores externos atrapalham demais nossos movimentos, sonhos e planos – esses, para quem ainda consegue planejar, verbo que a cada dia acho mais lindo e distante.

    A gente não sabe se vai ter Terceira Guerra, se vão continuar matando cruelmente, fuzilando, deixando criancinhas se debatendo, se ocorrerão tornados, terremotos, tsunamis ou ciclones. Se a gasolina vai aumentar ou se o dólar continuará subindo. Se o tal pré-sal sai lá de baixo, das profundezas. Se as manifestações e protestos surtirão efeito, ou se a coisa vai piorar. Se a nossa primavera aqui vai continuar esse inverno e secura. Não sei se eu estou pirando ou se as coisas estão piorando. O refrão continua o original, de Rita Lee: “Não sei se eu vou ter algum dinheiro ou se eu só vou cantar no chuveiro…”

    Ligamos o velho foderaizer? Deixamos o vento bater nas velas içadas? Seremos mais um do rebanho?

    Para quem tem inconformismos, nenhuma das opções anteriores. Só que não há outras opções em jogo.

    O mundo gira e alguma coisa vai acontecer para nós lembrarmos da eterna namoradinha do Brasil, Regina Duarte, ou do chiclete de Ivan Lins – Começar de novo e contar comigo/ Vai valer a pena ter amanhecido / Ter me rebelado, ter me debatido/ Ter me machucado, ter sobrevivido/ Ter virado a mesa, ter me conhecido /Ter virado o barco, ter me socorrido.

    Amanhece e anoitece, invariavelmente. O tempo não se limita a existir; passa. O mistério está em como começar de novo sempre, driblando as nossas próprias certezas, aquelas que a gente pensava que existiam, derrubadas dia e noite.

    Anda mesmo difícil até filosofar, jogar um pouco de conversa fora, nesses tempos de resistências minadas – e quando tudo o que se diz não chega aos ouvidos moucos.

    “Você é tão velho como a última vez que mudou de ideia”.

    É perfeita essa frase de Timothy Leary (1920-1996), adorável maluco que habitou a Terra propiciando milhões de viagens lisérgicas. Olha só um exemplo: quem provou dessa fruta, LSD, sabe que a viagem pode mesmo começar de novo a qualquer hora. Assim, de repente.

    Basta um clique, uma lembrança. No campo da realidade, coragem.

    (Dedico esse texto à amiga Rosi Mallet, que era sempre a primeira a fazê-lo rodar o mundo quando os recebia, me apoiando com a sua enorme generosidade)

    São Paulo, 2013

    (*) Marli Gonçalves é jornalista – De vez em quando gostaria mesmo é de ter sido filósofa.

    Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo