Banco dos réus – Começaram nesta quinta-feira (26) as audiências do processo penal contra 30 ativistas do Greenpeace, na cidade portuária de Murmansk, no norte de Rússia. Os ambientalistas de mais de dez nacionalidades – entre eles a brasileira Ana Paula Alminhana Maciel – são acusados de pirataria e estão sob ameaça de até 15 anos de prisão.
O incidente em questão ocorreu na plataforma petrolífera Prirazlomnoye, no Ártico, explorada desde 2011 pelo conglomerado russo de energia Gazprom. Fontes do país estimam as reservas locais em 70 milhões de barris de petróleo.
Em 18 de setembro, a ONG Greenpeace realizou uma ação visando impedir as perfurações, consideradas danosas ao frágil ecossistema local. Agentes da Guarda Costeira da Rússia responderam disparando para o ar, primeiramente com um canhão de bordo, em seguida com metralhadoras. Dois ativistas foram capturados quando tentavam escalar a plataforma a partir de uma lancha.
Os acontecimentos que se seguiram poderiam ter saído de um filme de James Bond. Unidades especiais russas tomaram o quebra-gelo holandês Arctic Sunrise, do Greenpeace, usando cabos para saltar de helicópteros sobre ele. O navio foi rebocado para Murmansk, na Península de Kola, e sua tripulação, presa e indiciada por “pirataria em quadrilha”.
ONG se defende
Caroline von Gall, professora de Direito do Leste Europeu na Universidade de Colônia, define as acusações como “tremendamente absurdas”. “O parágrafo relativo à pirataria prevê que o local da ocorrência seja um navio”, afirma. Além disso, prossegue, a intenção dos réus precisaria ser “a apropriação de bens ou posses”.
Existe ainda, segundo ela, uma terceira condição para que os ambientalistas possam ser acusados de pirataria: o incidente teria que envolver violência ou ameaça de violência. E o que tudo indica, de acordo com Von Gall, que não foi o caso na plataforma Prirazlomnoye.
A especialista também condena a retenção do navio do Greenpeace e diz que o incidente mostra que as autoridades russas “só empregam o direito como meio de intimidação”.
Os ativistas também rebatem as acusações. Christoph van Lieven, representante do Greenpeace na Alemanha, diz que o Arctic Sunrise ancorou, de fato, na zona comercial exclusiva da Rússia, mas se manteve em águas internacionais. Ele considera desmedida a dureza da investida russa contra o Greenpeace, afirmando que o país deseja demover a ONG e outros ativistas “de protestos pacíficos, e deixar uma advertência”.
Putin se distancia
Ksenia Vakhrusheva, diretora de projeto da organização ambiental Bellona, de São Petersburgo, critica igualmente o procedimento da Rússia contra o Greenpeace. “Procura-se acusá-los de um crime que não cometeram”, observa.
Até mesmo o presidente Vladimir Putin se distanciou das acusações feitas pelas autoridades responsáveis. Ambientalistas “não são piratas”, comentou na quarta-feira, durante a conferência ártica na cidade de Salechard, no norte da Rússia.
Por outro lado, o chefe de Estado linha-dura acusou o Greenpeace de violar o direito internacional e colocar em perigo os operários da plataforma petrolífera – afirmativa referendada por certos técnicos russos. Segundo o especialista em navegação marítima Mikhail Voitenko, a Prirazlomnoye é um objeto especialmente perigoso, e os ativistas tiveram a clara intenção de provocar uma situação de risco.
Fase repressiva
O incidente na Rússia não é o primeiro na campanha contra as perfurações no Ártico, empreendida pelo Greenpeace desde 2012. A Rússia reivindica para si uma grande porção da terra firme no Polo Norte, onde se supõe haver grandes jazidas de combustíveis fósseis. Segundo dados oficiais, até 2020 os russos pretendem extrair da região, anualmente, 86 bilhões de metros cúbicos de gás e 26,6 milhões de barris de petróleo.
O Greenpeace alerta sobre possíveis catástrofes e quer impedir a extração, já havendo realizado numerosas ações na Rússia com esse fim. Por várias vezes, ambientalistas protestaram em Moscou fantasiados como ursos polares. Em meados de 2012, seus ativistas tentaram, como agora, chegar até a plataforma Prirazlomnoye, sendo, no entanto, contidos com jatos d’água.
Ainda não está definido se os ativistas detidos agora serão, de fato, condenados a penas pesadas. Von Gall não exclui que pelo menos alguns dos 30 indiciados acabem atrás de grades por uns cinco anos. (DW)