Tudo igual – Na China, notícias sobre jornalistas encarcerados não são novidade. Mas o caso de Chen Yongzhou, preso há pouco mais de uma semana, provoca atenção especial. O repórter escreveu para o jornal “New Express” uma série de quinze reportagens sobre a segunda maior fábrica de máquinas de construção do país, a Zoomlion. Todas as matérias em tom duro e crítico, com relatos sobre problemas financeiros e a contabilidade fraudulenta na empresa.
Os artigos levaram a uma queda no preço das ações e acabaram não agradando ao governo da província de Hunan, um dos proprietários da empresa. Chen acabou preso. Numa situação rara na China, pouco tempo depois seu jornal exigia na primeira página a libertação do repórter. Viu-se também uma onda inesperada de solidariedade por parte de jornalistas.
No último sábado (26), a história deu uma guinada. Chen Yongzhou apareceu na TV estatal CCTV com cabeça raspada e usando uniforme prisional. Ao canal, ele disse ter escrito o artigo “sob encomenda de outras pessoas” e que foi pago por isso.
Dessas “outras pessoas”, ele também recebeu parte do material usado nos artigos. Ele afirmou também haver usado fatos fictícios nas matérias. Em seguida, o “New Expres”s se desculpou perante seus leitores na página principal.
“Envelopes vermelhos”
Não se sabe se Chen, de fato, denegriu a Zoomlion sob encomenda ou se sua “confissão” na TV estatal foi realmente honesta. Mas o caso chama a atenção para o lado obscuro do jornalismo na China: a corrupção pode estar presente também entre repórteres e editores.
Segundo Zhan Jiang, professor de jornalismo em Pequim, a corrupção na imprensa decepcionou profundamente o povo chinês, deteriorando a confiança e o apoio ao jornalismo. Por diversas vezes, ele já apelou aos jornalistas para não aceitarem “envelopes vermelhos” – na China, envelopes vermelhos contêm dinheiro e são entregues tradicionalmente em grandes festas ou como presentes.
No país, tais presentes também são entregues regularmente em coletivas de imprensa por empresas, como forma de assegurar uma reportagem positiva. A prática já levou a que, por vezes, golpistas se utilizem de carteiras falsas de jornalistas e assistam a determinadas coletivas somente para conseguir um dos envelopes.
Zhan Jiang diz que ainda deve ser apurado pela Justiça se Chen Yongzhou realmente aceitou suborno para escrever sua série de artigos. Mas o caso confirma a falta de ética na mídia. Segundo o professor de jornalismo, o recebimento de envelopes vermelhos e a divulgação de propaganda disfarçada de reportagem é um fenômeno bastante comum na China. Para ele, isso faz “parte da corrupção na sociedade como um todo”.
Salários baixos e falta de ética
Em seu blog, o jornalista Chai Huiqun, do semanário “Souther Weekend”, diz que o recebimento de envelopes vermelhos é uma regra tácita na mídia chinesa. Coletivas de imprensa sem presentes de dinheiro são vistas como anormais. No caso de um jornalista rejeitar tais presentes, paira sobre ele a ameaça por parte dos colegas. “Para alguns jornalistas, os presentes em dinheiro são a principal fonte de renda”, explica Chai.
Os presentes em dinheiro é um lado da moeda: os jornalistas também aceitam suborno para ficar calados. Em casos de acidentes em minas, por exemplo, eles se dirigem em multidões – não para fazer uma cobertura, mas para cobrar as mineradoras por seu silêncio.
Em 2008, cerca de dez jornalistas cobraram cerca de 250 mil euros para não relatar sobre um desastre numa mina que provocou a morte de 34 pessoas na província de Hebei. Em 2009, o jornalista Dai Xiaojun fotografou repórteres em fila, após um acidente de mineração, para receber suborno em troca de seu silêncio. Num curto prazo, isso levou a indignação no setor de mídia. Em seguida, 60 pessoas foram punidas, inclusive “falsos repórteres”.
Segundo Agnès Gaudu, especialista em China no semanário francês “Courrier International”, os salários baixos e a falta de ética profissional seriam importantes motivos para a vulnerabilidade de jornalistas chineses frente ao suborno.
Para ele, no entanto, o principal motivo seria o fato de os jornalistas chineses não disporem de condições independentes de trabalho. Eles não trabalham diretamente nem para o governo nem para organizações comerciais. (DW)