Meio século – Nesta sexta-feira, 22 de novembro, completam-se 50 anos desde o atentado em Dallas que matou o então presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy. Em apenas dois anos de mandato, o democrata despertou esperanças na nação – até hoje, várias dessas expectativas permanecem promessas não cumpridas. Os tiros na cidade do Texas foram o início de um trauma nacional e de décadas de frustração coletiva.
O historiador norte-americano Robert Dallek é um dos mais renomados especialistas na biografia dos presidentes dos EUA. Atualmente, ele leciona na Stanford University de Washington, depois de ter atuado nas universidades Columbia, de Nova York, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA) e em Oxford, entre outras.
Para Dallek, o fato de John F. Kennedy ser tão popular entre os americanos – e também internacionalmente – não se deve apenas aos seus feitos políticos, já que, em comparação com presidentes como George Washington ou Abraham Lincoln, Kennedy fica para trás. O presidente que morreu assassinado aos 46 anos teve conquistas notáveis, mas também fracassos na política externa e interna dos EUA. Sua morte, ainda muito jovem, contribuiu muito para a imaginação coletiva, afirma Dallek, em entrevista à DW.
Dallas, Texas, três tiros: todo cidadão dos Estados Unidos que viveu o 22 de novembro de 1963 sabe exatamente o que estava fazendo no momento da terrível notícia. Como o senhor ficou sabendo do assassinato de John F. Kennedy?
Robert Dallek – Eu ensinava no Departamento de História na Columbia University, tinha acabado de encerrar a aula e estava indo para casa. Caminhando pela avenida Broadway, vi um grupo de pessoas em torno de um automóvel, escutando o rádio. Eles pareciam muito agitados. Perguntei: “O que é que houve? O que está acontecendo?” E elas disseram: “Alguém atirou no presidente.” “Oh, meu Deus!”, eu disse, corri para o meu apartamento e liguei a televisão. Estavam justamente comunicando a morte dele.
Eu me lembro da sensação de tristeza naquele fim de semana, uma sensação que tantos partilhavam. Era como se o país tivesse sofrido um golpe e uma perda terríveis. E, mesmo 50 anos depois, eu acho que os EUA ainda não superaram o assassinato de Kennedy.
Em sua biografia de Kennedy, An unfinished life, o senhor escreve que o assassinato dele foi o maior choque para o país desde o ataque dos militares japoneses à frota americana na base militar dos EUA de Pearl Harbor, no Pacífico, em 1941. Por que justamente esse presidente mexe tanto com a imaginação dos cidadãos americanos até o dia de hoje?
RD – Um dos motivos é ele ter sido assassinado, e tão jovem. Ele tinha apenas 46 anos. Como diz o título do meu livro: foi uma vida inacabada e uma presidência inacabada. Ninguém consegue imaginar como ele seria aos 96 anos. Ele ficou congelado nas nossas mentes, do jeito como era na época: jovem, vital, charmoso, espirituoso. A televisão o manteve assim, nas gravações das coletivas de imprensa que ainda podemos assistir.
Em pesquisas, John Kennedy permanece o presidente mais popular da história dos EUA. Só Ronald Reagan chega perto. Por que isso?
RD – Porque são dois homens que ainda inspiram o país e que ainda dão esperança às pessoas. Elas se lembram da retórica, da linguagem, dos discursos deles. Kennedy: “Ask not what your country can do for you. Ask what you can do for your country.” [“Não pergunte o que o seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por ele.”]
Ele prometeu que levaria um homem à lua e, mesmo que não tenha vivido para ver, isso aconteceu. Em seu famoso discurso de paz em Washington, em 1963, ele instou o país a mudar a forma como via a União Soviética, para evitar uma guerra nuclear. Kennedy inspira uma forma de esperança que nenhum presidente depois dele conseguiu criar.
O que ele alcançou, efetivamente, como presidente? Que legado deixou para os americanos?
RD – Na política interna, John Kennedy não alcançou praticamente nada. Ele tinha quatro grandes metas: uma significativa redução de impostos, um seguro-saúde para aposentados chamado Medicare, um incentivo federal à educação – o que era uma ideia inovadora – e um grande projeto de lei sobre os direitos civis. Nada disso foi aprovado durante a presidência dele.
Também se podem apontar falhas na política externa: o fracasso da invasão da Baía dos Porcos, em que os cubanos exilados iriam derrubar o líder revolucionário Fidel Castro, com o respaldo de Washington. Mais tarde, Kennedy diria: “Como pude ser tão estúpido [e escutar o conselho dos militares]?
Sua cúpula com [o líder soviético Nikita] Kruschev, em junho de 1961, em Viena, em que Kruschev o massacrou, impiedosamente. Depois disso, o Muro de Berlim é erguido e Kennedy não pode fazer nada para derrubá-lo. Na realidade, ele até o aceita, para contornar uma confrontação com os soviéticos sobre Berlim.
Mas também há alguns marcos notáveis. Por exemplo, a crise de Cuba, em que ele evita uma guerra atômica. Ou o acordo de desarmamento atômico com os soviéticos. Houve essas vitórias. Mas a maior de todas era a sua inspiração.
Em seu livro recentemente lançado, Camelot’s Court, o senhor enfatiza justamente isso: que Kennedy vivia em conflito com os próprios generais, que aparentemente estavam há anos com o dedo no botão, prontos para levar o mundo a uma guerra atômica.
RD – O controle sobre as armas nucleares foi a maior preocupação dele e, de certo modo, o seu principal sucesso. Ele estava convencido de que uma guerra atômica seria o maior fracasso e a maior catástrofe para qualquer presidência. Privadamente, ele teria comentado com alguém: “Prefiro ver meus filhos vermelhos [comunistas] do que mortos” [inversão do slogan anticomunista “Better dead than red”].
É claro que ele nunca poderia ter dito algo assim em público. Todos teriam gritado: “Oh, ele é amigo dos comunistas!” Mas ele acreditava que tinha que fazer tudo a seu alcance para impedir um conflito nuclear. Se ele tivesse vivido mais, acho que a política de distensão com a União Soviética teria sido introduzida mais cedo, e não apenas com Richard Nixon, nos anos 1970.
E esses generais não simpatizavam especialmente com o próprio comandante em chefe. Quem lê o seu livro tem a impressão de que os adversários de Kennedy na Guerra Fria não estavam à espreita do outro lado do Atlântico, mas sim do outro lado do Rio Potomac, que separa a Casa Branca do Pentágono.
RD – Havia fortes tensões entre Kennedy e os seus generais. Ele ficava aflito com disponibilidade deles em relação à guerra, sobretudo a guerra atômica, que ele considerava despreocupada demais.
Os militares, por sua vez, se ressentiam que esse homem jovem, que não passara de comandante de barco de patrulha, estivesse substituindo o general de cinco estrelas Dwight Eisenhower, que, afinal de contas, conduzira a invasão [da Normandia] no Dia D, em 1944, e a vitória [aliada] na Segunda Guerra Mundial.
É preciso compreender que esses generais tinham vivenciado a Segunda Guerra e viam a vitória como resultado do emprego incondicional da potência armamentista americana. Eles tinham bombardeado a Alemanha, arrasado cidades e parques industriais, lançado bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki para forçar os japoneses a se render. Kennedy sentiu: essa época da guerra incondicional passou. Não se pode fazer isso.
Então, Kennedy não só desafiou os generais, mas também cerceou o poder deles?
RD – Ele limitou o poder de decisão deles. Kennedy assumiu o posto de presidente num momento em que até mesmo comandantes regionais podiam decidir se queriam empregar armas nucleares ou não. Ele disse: “Isso é inadmissível.”
Para mim, esta anedota diz tudo: McGeorge Bundy, o conselheiro de Segurança Nacional de Kennedy, telefona para o general no Pentágono responsável pelo plano de armamento atômico, exigindo que ele mostre o plano ao presidente. E o general diz: “Lamento, mas nós não mostramos esse plano para ninguém.”
Bundy responde: “O senhor não está entendendo: estou ligando em nome do presidente dos Estados Unidos.” Quando Kennedy é instruído, pelo corpo de generais reunido, sobre como imaginavam que seria uma guerra atômica, eles explicam que 170 milhões de chineses e soviéticos seriam mortos. Ao deixar a sala, o presidente se vira para o secretário de Estado Dean Rusk e diz: “E nós nos chamamos de Raça Humana!”