(*) Ucho Haddad –
Estou cansado da ditadura do politicamente correto. Esse modismo burro e insuportável que se alastra pelo planeta tira a possibilidade de uma pessoa ter opinião própria. E se tem não a revela por meio de críticas e outras reações. Quem deveria puxar a fila da guerra contra essa ditadura é a imprensa, mas não o faz porque é medrosa e amestrada. Há nas redações dos veículos de comunicação uma lista quase militaresca do que é permitido e do que é proibido. Aliás, hoje em dia quase tudo é proibido, porque qualquer opinião mais acre sobre determinado assunto é considerada inadequada, pois fere esse ou aquele direito.
Como sabem os leitores, tenho opinião formada sobre muitos assuntos e não a abandono por nada, o que não significa que se estiver errado deixarei de reconhecer. Nada pode existir de pior do que uma imprensa mantida sob o cabresto da ignorância, da ilógica, dos padrões preestabelecidos. É nessa seara que ganha força a teoria obtusa do politicamente correto.
O incêndio que consumiu parte do Memorial da América Latina, em São Paulo, serviu para que a opinião pública fosse forçada a esquecer determinados escândalos, que precisam ser solucionados com urgência, sob pena de mais uma página imunda da história nacional ser virada sem que algo tenha sido feito. A imprensa nacional abriu largo espaço nas últimas horas para o incêndio e suas reticências, semeando teorias absurdas e desculpas esfarrapadas das mais distintas. A discussão tornou-se tão bizarra, que o assunto migrou para a disputa política entre PT e PSDB. A prefeitura comandada pelo petista Fernando Haddad afirma que o Memorial estava sem alvará de funcionamento, enquanto o governo do tucano Geraldo Alckmin garante que tem todos os documentos que permitiam o funcionamento do prédio. O fogo já flambou e defumou o prédio e de nada adianta essa queda de braço.
A única coisa que não se pode perder nesse caso, assim como em qualquer outro, é a coerência. Pode-se perder a paciência, mas não a coerência. E é exatamente isso – a coerência – que está faltando nesse imbróglio flamejante. A mesma prefeitura que acusa a direção do Memorial da América realizou, recentemente, três eventos no local que foi torrado pelas chamas. Em suma, ou a prefeitura mente quando afirma que o alvará de funcionamento do Memorial está vencido há pelo menos duas décadas, ou tem um bando de irresponsáveis na administração municipal que aceita realizar um evento oficial em local irregular.
Deixando de lado esses detalhes pitorescos do “rasteirismo” tupiniquim, a grande questão em torno do incêndio é a vulnerabilidade que marca as obras de Oscar Niemeyer, que mesmo depois de morto é festejado por uma turba de ignorantes que se deixa levar pela ditadura do politicamente correto. Niemeyer foi um utópico oportunista que conseguiu fazer meia dúzia de desenhos arquitetônicos e os reproduziu mundo afora como se fosse uma fábrica de empadinhas. Todas com a mesma cara, mas com recheio duvidoso. Nove em cada dez obras de Oscar Niemeyer são inabitáveis.
Quem conheceu o Memorial da América Latina soube, desde o início, que a obra era uma utopia concreta. O Auditório Simon Bolivar sempre foi prenúncio de tragédia. Só não enxergou isso quem fechou os olhos na esteira do “politicamente correto” porque se tratava de uma obra de Niemeyer. Pelo que sei, Niemeyer não foi uma divindade para que todos se curvassem diante de sua figura canhestra.
As imagens do incêndio deixaram evidente a dificuldade dos bombeiros de entrarem no tal auditório. A que mais impressionou foi a de um bombeiro com um enorme alicate tentando cortar a estrutura metálica que sustentava os vidros que estilhaçaram com o calor. Ora, se os bombeiros tiveram dificuldade para alcançar o local das chamas, o que teria acontecido se o auditório estivesse lotado? Possivelmente uma tragédia, pois a fuga seria complexa ou quase impossível. O “gênio brasileiro” da arquitetura fez uma caixa quase que hermeticamente fechada e recheou seu interior com produtos inflamáveis. Uma das paredes exibia bela e enorme tapeçaria de Tomie Ohtake, mas era de se imaginar que a obra seria a lenha de uma eventual fogueira.
Por certo nas próximas horas o meu nome estará na encruzilhada em razão das minhas críticas a Niemeyer, mas não mudo de opinião. A Catedral de Brasília, toda imponente na imunda e criminosa Esplanada dos Ministérios, é uma panela de pressão. É preciso ter excesso de fé para acompanhar uma missa até o final debaixo dos raios de sol que atravessam com facilidade a cobertura de vidro. A catedral foi erguida sob as expensas do suado dinheiro público apenas para rechear o portfólio oportunista e bisonho de Niemeyer. Também na Esplanada, o Museu da República, inaugurado há alguns anos, é outra obra utópica em uma região onde predomina o calor e o tempo seco. Uma meia esfera de concreto fincada no chão ardente e sem ventilação tornou-se um dos ícones da obra desse tresloucado que transformou a prancheta em usina do absurdo.
O Congresso Nacional é outra maluquice arquitetônica que serve apenas para ser contemplada do lado de fora por conta de sua beleza plástica. Dentro do prédio será impossível não ocorrer uma tragédia em caso de acidente. Há carpete por todos os lados, inclusive em muitas paredes. No túnel subterrâneo que liga os Anexos III e IV o carpete marrom domina a cena toda, inclusive no teto, exceto no espaço ocupado pelas duas esteiras rolantes que levam e trazem pessoas. Um verdadeiro palacete de ácaros, pulgas e outros quetais. Na entrada principal do Anexo IV até recentemente colocava-se, em dia de chuva, um balde na ponta da pequena marquise que serve de abrigo aos que chegam e saem do prédio. O tal balde transformou-se no famoso jeitinho brasileiro para uma obra obtusa e intocável.
O mesmo ocorre no túnel do Senado, conhecido como Túnel do Tempo, que liga os gabinetes dos senadores ao plenário. Todo em concreto e exposto ao sol, não tem uma nesga de ventilação sequer. Na maior parte do dia o tal túnel é um forno natural, mas a horda de seguidores de Niemeyer prefere festejá-lo. Quando criminosos do MLST invadiram e depredaram a Câmara dos Deputados, em 2006, foi possível prever a extensão de eventual tragédia. Com a invasão, quem estava dentro do prédio não teve para onde correr.
Voltando ao caso do incêndio no Memorial da América Latina, a imprensa só tem interesse em colocar mais combustível na fogueira em que se transformou a discussão entre as autoridades estaduais e municipais sobre documentos e alvarás, o que produzirá novas manchetes por pelo menos mais uma semana. Na verdade, esses mesmos jornalistas que se prestam a papel pífio deveriam tomar cápsulas de bom senso e mostrar que a obra em questão sempre foi um convite à tragédia, que só não ocorreu de fato por motivos de agenda.
Quando o brasileiro se desvencilhar dessa hilária fantasia de vaca de presépio, que concorda com tudo o que aparece pela frente, quem sabe o País comece a mudar de rumo. Até lá, só resta a essa massa de pensamento preguiçoso ficar adulando a memória de gente como Oscar Niemeyer.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.