Atitude covarde – O Conselho de Segurança da ONU apela a todas as partes em conflitos armados que tomem medidas especiais para proteger as mulheres e meninas contra a violência, especialmente em casos de estupro. Mas, quando o assunto é a guerra na Síria, o apelo torna-se quase uma utopia.
Ativistas de direitos humanos dizem que cerca de 6 mil mulheres já foram vítimas de violência sexual desde o começo do conflito, em 2011. Ao mesmo tempo, outras milhares foram assassinadas, torturadas, sequestradas ou usadas como escudo humano. E há pouca esperança de que os culpados sejam condenados.
“Não acredito que seja realista prevenir plenamente que mulheres sejam alvo em situações de conflito armado, por conta de sua natureza mais vulnerável”, diz Hayet Zeghiche, diretora de comunicação da Rede de Direitos Humanos Euro-Mediterrânica (EMHRN). “Mas se houvesse uma maneira de garantir que cada vítima fosse compensada, e que seu caso fosse julgado justamente, poderíamos, pelo menos, deixar claro para os culpados que eles serão responsabilizados por seus atos.”
No entanto, em culturas patriarcais, o estigma de estupro faz com que muitas mulheres não denunciem os casos de violência, o que cria um grande obstáculo para combater o crime. Vítimas de abuso na Síria também correm o risco de serem renegadas por seus maridos e abandonadas por suas comunidades. A EMHRN documentou casos de mulheres que não tiveram outra escolha, senão fugir para campos de refugiados – onde muitas vezes enfrentam ainda mais discriminação e violência.
“O estupro é algo tão forte exatamente por esse estigma que ele carrega”, explica Janie Leatherman, autora de um livro sobre violência sexual em conflitos armados. “É uma arma com efeitos duradouros. Um ferimento de guerra vai deixar cicatrizes, mas ele não tem as mesmas implicações psicológicas e culturais que um caso de estupro.”
Medo de represálias
Além do estigma, muitas vezes é o medo de represálias – e até de mais violência – que desencoraja as mulheres a denunciarem os casos de violência sexual e procurarem a Justiça. Há teorias de que as consequências de conflitos armados, como o atual na Síria, podem ser tão perigosas para as pessoas como a própria guerra em si.
“Quando certas normas sócio-culturais não são mais respeitadas por conta de uma guerra, há um risco de que os maridos e familiares que voltam para suas casas possam tentar assassinar ou estuprar alguém para restaurar a honra de suas famílias”, diz Leatherman.
As mulheres violentadas têm que lidar com inúmeras consequências do crime. De acordo com Leatherman, é ainda menos provável que uma vítima denuncie seu agressor quando não existe um sistema judicial confiável.
Não é claro quem deve ser responsável por garantir que a justiça seja feita. O Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma alternativa óbvia, mas também é preciso que haja um parceiro local, diz Hayet Zeghiche. “Eu não acho que podemos esperar milagres apenas do TPI, se o seu trabalho não for complementado por um sistema judiciário sério e independente na própria Síria”, completa.
Em recente relatório sobre a questão, o EMHRN diz que há uma falta de confiança geral no sistema de justiça internacional. As vítimas de violência e estupro testemunham a falta de ajuda da comunidade internacional em ajudar a acabar com o conflito que está destruindo suas vidas e lares, e, portanto, passam a questionar se há sequer sentido em compartilhar detalhes íntimos sobre os crimes cometidos contra elas.
Zeghiche ressalta a importância de denunciar e documentar esses aspectos particulares da guerra. Só assim, as vítimas poderão ser compensadas no futuro, e suas comunidades terão mais força em lutar para acabar com a impunidade.
“Estamos tentando restaurar um pouco de confiança, e mostrar às mulheres que não é inútil fazer denúncias. Pelo contrário, é crucial que elas denunciem e ajudem a levar os criminosos à Justiça, caso elas queiram reconstruir seu país e suas vidas – e quem sabe até serem felizes de novo um dia”, diz. (Deutsche Welle)