Piada sem graça

(*) Lígia Fleury –

ligia_fleury_04Alguém me ajuda a entender a lógica deste último absurdo do governo brasileiro? Uma lei federal exige que crianças do curso Infantil tenham um mínimo de 60% de presença às aulas, ou seja, dos 200 dias letivos não poderão faltar mais do que 80 dias.

Quando aprendi as noções de frações e decimais, aprendi também a interpretar o mundo com as noções de proporção por meio das porcentagens. Fazer uma lei que permite ao aluno do Curso Infantil faltar às aulas por 80 dias, porque esta é a interpretação da lei, significa que o governo brasileiro endossa que basta uma frequência de apenas 32% do período de 365 dias, correspondente a um ano, para se desenvolver social, cognitiva eemocionalmente nesta fase da vida. Não é uma questão de ser pessimista, de olhar a metade do copo vazio. É o fato de que se vão sancionar uma lei, que seja para melhorar o que está ruim e não para apontar o dedo na direção das falhas alheias. O governo precisa olhar para om próprio umbigo antes de acusar ou punir a população. Há que exigir dos pais a presença dos filhos na escola sim, isto é óbvio. Em países que estão nos primeiros lugares nos rankings mundiais de Educação, os pais exigem a escola de qualidade para os filhos, os pais não cogitam as ausências, os pais não se omitem.

Já escrevi, inúmeras vezes, que o direito à Educação é lei, está na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que os próprios órgãos, autores das leis, não as cumprem. Quantas crianças e jovens estão fora da escola?

É do conhecimento dos educadores que a aprendizagem precisa de estímulos, que é por meio de brincadeiras que os processos de aprendizagem se desenvolvem, que o brincar tem a função lúdica e cognitiva. É, também, do conhecimento dos mesmos educadores, que a socialização é o principal olhar dos profissionais para esta faixa etária. Criança que se socializa, aprende a fazer vínculos, a ser líder e a ser liderado, a trocar, ceder, partilhar; aprende a experimentar alimentos novos quando percebe seu colega lanchando; a desafiar-se na medida em que experimenta novas sensações; a saber ouvir; a desenvolver meios para se relacionar com adultos e com outras crianças. Na escola, vivenciam as fantasias, misturam realidade com as histórias contadas. É, também, no espaço educacional que são motivados a se desenvolverem nas percepções sensoriais.

O Infantil é a porta para a aprendizagem e o GOVERNO FEDERAL acredita piamente que bastam apenas 32% dos dias de um ano inteiro para que todo este trabalho seja realizado. É imprescindível acompanhar a presença das crianças às aulas, mas primeiro é necessário colocá-las dentro do processo de escolarização e compreender que este índice é muito alto para ser legalizado.

A lei fica ainda mais escabrosa quando constatamos que ela foi criada para o país dos “desescolarizados”. E eu me pergunto: sabe mesmo a nossa digníssima presidenta que o ano letivo começou? Sabe o nosso Ministro da Educação, outro economista sem a mínima experiência com exceção de atuar como professor de Economia – mesmo sem formação para sê-lo -, e nenhuma formação em Educação, diga-se de passagem, que o ano letivo começou?

Não devem saber. Afinal, quantas crianças e jovens estão em casa ou nas ruas por que não conseguiram vagas nas escolas? Ou quantas escolas ainda não iniciaram o período letivo por falta de professores?

Pois é… então… Os pais estão sujeitos a multas caso seus filhos faltem em 80 dos 200 dias letivos; até 80 tudo bem? E quem paga a multa pelos prejuízos que esses políticos irresponsáveis causam ao país por tantas crianças sem escola? Portamanho descaso?

O Brasil paga esta conta quando está nos últimos lugares das avaliações mundiais de Educação. O Brasil paga a conta quando a falta de educação alaga ruas, destrói moradias; quando a segurança não mais existe em nenhum lugar; quando a saúde está às traças.

Em julho eu cheguei a acreditar que o gigante estava acordando. Adormeceu. Cansado ou pressionado. Perdeu?

O Brasil virou piada. De mau gosto!

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.