Liberdade e Libertinagem

(*) Lígia Fleury –

ligia_fleury_04O conceito de liberdade é tão amplo quanto o horizonte a ser alcançado por meio dela. No entanto, sempre acreditei que a liberdade de falar e de agir não pode interferir no mesmo direito da liberdade do outro. E isso requer um exercício enorme de autocontrole e respeito, necessário no cotidiano de todo ser humano. Greve é um direito legal do cidadão, constitucional. Mas para que assim seja reconhecida, os grevistas não podem impedir que trabalhadores exerçam seu trabalho. Este é apenas um item do direito de greve.

O Brasil está entregue à própria sorte. O caos instalado nos últimos meses só aumenta a baderna nas cidades e, mais uma vez, quem sofre é o cidadão que paga suas contas, que precisa trabalhar, que precisa ir e vir de uma consulta na área da saúde, que quer estudar, que sonha em melhorar a qualidade de vida. Qual a intenção de tanta baderna? É mostrar ao mundo que somos um país sem lei? Não somos, mas estamos sem lei. É mostrar ao mundo que as únicas atividades que unem o povo são o samba e o futebol? Mentira. Estamos unidos também por um governo bandido, pela falta de educação, de segurança e de saúde. Há motivos de sobra para a greve do transporte, da polícia, dos professores.

Mas há que se pensar que a população não pode pagar também por essa greve. Alunos não podem ficar sem escola, é um direito constitucional. Cidadãos precisam ter sua segurança garantida; preso deveria ser o que está atrás das grades. Hoje as grades estão cercando casas, prédios, ruas, escolas parques. A insegurança está nestes lugares e o cidadão, refém desta situação.

Greve de transporte penaliza o cidadão duas vezes. Uma porque já depende do transporte público que é uma afronta à dignidade do trabalhador e a segunda porque é a tal história: ruim com ele, pior sem ele. Por que o cidadão que cumpre seus deveres é impedido de usufruir seus direitos por irresponsáveis que decidem por ele que será mesmo impossível se locomover? Querem greve? Façam! Mas a liberdade do grevista termina quando atinge o direito do cidadão de chegar ao seu trabalho. O direito de greve é constitucional, mas para ser reconhecida como tal, precisa atender a lei que a justifica. O cidadão, principalmente o mais humilde, é penalizado duplamente quando outros acreditam que têm o direito de parar o trânsito, queimar ônibus, impedir motoristas de fazerem seu trabalho.

Qual a solução? Organização das categorias, salário digno, fim da corrupção, verbas utilizadas integralmente para o que são destinadas, sem intermediários. Sonho? Um longo caminho, mas se não houver um começo, jamais será alcançado. Escolas precisam desenvolver a consciência política, ética e pensamento crítico nas crianças e jovens, para que saibam ler o mundo do qual fazem parte e criar soluções para os problemas causados pela confusão entre liberdade e libertinagem, vandalismo e protesto, dignidade e opressão, democracia e ditadura disfarçada de democracia. Direitos e deveres para todos e não apenas para os que estão no poder.

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.