(*) Lígia Fleury –
David Luiz, resolvi escrever-lhe porque tenho utilizado as letras como uma proposta de fazer a minha parte ao lutar contra este Brasil desgovernado; tão desgovernado quanto a seleção que nos representou nesta Copa do Mundo, da qual você faz parte. Quais as semelhanças e as diferenças? Muitas, a começar que futebol não é um esporte individual como a esgrima, o tênis e outros tantos. Uma república também deve ser governada por muitos, cada um com sua função. No futebol, uns atacam e outros defendem; no governo brasileiro, uns defendem e outros também, porém defendem o próprio bolso. Nossa seleção não atacou, se acovardou, entrou em pane; melhor acreditar em pane no que em uma história em que sujam-se as mãos e o caráter ao invés de apenas as chuteiras. Nosso governo ignora os ataques da população, defende-se atrás do “ninguém sabe e ninguém viu”. Da mesma maneira que vocês, jogadores e integrantes da Delegação Brasileira, acreditavam na vitória, a trupe do Palácio acredita mesmo que faz o melhor para ganhar a confiança e a popularidade. Ambos erraram redondamente ao acreditar em sucesso, porque foram e são times sem garra, sem aquele sentimento de lutar pelos outros; aliás, nem mesmo são um time. Time era a equipe pilotada pelo meu eterno ídolo Ayrton Senna ou o nosso tenista Guga, que apesar de sozinhos na pista ou na quadra sabiam que tinham um time com eles. Os do planalto olham apenas para si, querem se manter no poder a qualquer preço, não veem roubo no Mensalão, pouco se importam com o nível cultural da população, fecham os olhos para os pacientes morrendo nas filas dos hospitais, se fazem de mortos para as drogas que invadem a vida de nossas crianças e jovens. Os da seleção olham para sua conta bancária e assinam contratos mirabolantes para chutar uma bola.
Qual o salário do médico mesmo? Ah, ele só salva vidas…
Qual o salário do policial honesto? Ah, ele apenas enfrenta marginais…
Qual o salário do gari? Ah, ele apenas mexe no lixo de todos nós…
Qual o salário do professor? Ah, ele apenas forma médicos, policiais…
Qual o salário de um jogador da Seleção? Ah! ELE JOGA FUTEBOL!!! Na seleção, salvo engano, o que ganha menos recebe cem mil reais e a maioria beira e ultrapassa o milhão… Já pensaram os jogadores em salvar uma vida, em ensinar uma criança a ler, em mexer no lixo ou combater a bandidagem?
Ah, bom! Agora entendi.
David Luiz, não luto para que o salário de vocês seja tão medíocre quanto os dos profissionais aqui citados, mas seria maravilhoso que os salários fossem determinados pela importância da atividade, não concorda? Seria justo para todas as profissões também não citadas, mas que merecem o mesmo reconhecimento.
O que uma bola em campo sendo disputada por vinte e dois jogadores traz de benefício para a saúde ou educação da população? O dinheiro que corre nos bastidores dos estádios faria a população mais feliz, se fosse revertida para cada cidadão como benefícios.
A Copa do Mundo no Brasil pode ter trazido alguns ganhos ao país, se ficarmos com a impressão que os estrangeiros levarão de nós, de sermos um povo acolhedor e alegre, festeiro e vibrante; um povo que se emociona e comove ao cantar o Hino Nacional, que torce com a alma. Mas isso não tira pobre da rua nem coloca aluno na escola, tão pouco salva vidas. E eu adoraria ver esse mesmo povo cantando o Hino nas eleições, na frente dos palácios, nas ruas, bradando por transparência, honestidade, Educação, Saúde, Segurança… mas não me iludo!
Outro ponto positivo a ser considerado é o fato de que, sendo futebol uma paixão brasileira, o número de telespectadores que está assistindo a Copa é, com certeza, uma enormidade. Com o valor dos ingressos é hipocrisia dizer que futebol é para o povo. Não, não é. É para poucos, é para a elite. Porém, a elite vaiando a presidenta foi uma imagem que chegou onde deveria chegar mesmo, que é a casa do povo brasileiro e, se isso aconteceu, acredite, David Luiz, vocês fizeram uma boa ação. Quem sabe esse povo sofrido ao qual você se refere consegue interpretar as vaias; seria um ótimo começo para as próximas eleições.
Neste último dia 8 de julho, quando vocês fizeram a pior opção para a honra do esporte e a ética pessoal, as suas palavras comoventes deixavam claro que você gostaria de levar alegria ao povo sofrido. Vocês ainda podem fazer isso! E é fácil! Como?
Aproveitem o carisma e a popularidade, apesar do fiasco desta semana, e façam campanhas em nível mundial para combater a corrupção, a falta de dignidade, o analfabetismo, a pouca vergonha que assola a Educação, a Saúde e a Segurança do brasileiro. Mostrem ao mundo que os mensaleiros estão livres, rindo da nossa cara; apontem ao mundo o vergonhoso índice de crianças e jovens sem escolas; gritem para o planeta ouvir como um doente é tratado no Brasil; escancarem o superfaturamento das obras públicas no nosso país; chorem pelos mortos e feridos dos viadutos desabados, ou dos acidentes causados pelas estradas descuidas de nosso país. Organizem-se para encontrar soluções que justifiquem o valor gasto com os estádios, como promover a cultura nestes locais por meio de shows, palestras, debates, peças de teatro, dança, música, esporte. Ofereçam-se para auxiliar nesta organização, divulguem eventos, façam campanhas solidárias. Mexam esses pés afortunados para que possam, ao menos, valorizar um povo sofrido que continua sofrido. Ainda dá tempo de vocês fazerem algo por todos nós!
Porém, caso estas minhas humildes ideias não alcancem a soberba de muitos de vocês, faço votos para que algum sambista as leia, pois se um dia fomos o país do samba e do futebol, hoje nos resta o samba. Quem sabe a população lembre que entre a Copa e o Carnaval há uma eleição!
David Luiz, suas lágrimas, com todo respeito, não me comoveram. Não que eu seja insensível. É que eu me emociono mesmo com crianças e idosos que não são cuidados, com o dinheiro suado que é roubado do trabalhador, com as vítimas das enchentes, da violência, dos alunos que não têm vaga nas escolas, dos que perdem vagas em concursos que seriam suas por mérito em prol de safados que as roubam, dos doentes que imploram pela vida em filas intermináveis, de trabalhadores que passam horas tentando chegar em casa após um dia de trabalho. Eu me emociono quando vejo bandidos destruindo bens públicos e privados e nada acontece; quando injustiças são escancaradas. Choro de alegria e de tristeza pelas alegrias e reveses que a vida propicia. Coisas assim me emocionam.
Quem quer faz! Então, tente fazer a diferença, de verdade. E faça os brasileiros chorarem de alegria quando as necessidades básicas forem supridas. Posso contar com sua lágrima de suor, de seu esforço pela nossa nação?
Dou-lhe a minha palavra que o povo agradeceria e seria uma chance de vocês serem lembrados com honra e dignidade, não mais pela vergonha pela qual são os responsáveis.
Este gol vocês ainda podem fazer e com as chuteiras limpas, brilhando! Tentem e conhecerão o que é um time junto com vocês, um time de uma nação inteira.
(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.