Pedra no sapato – Salman bin Abdul-Aziz al-Saud, 79 anos, novo rei da Arábia Saudita, afirmou nesta sexta-feira (23) que manterá a linha política dos antecessores, em seu primeiro discurso à nação após ter herdado o trono saudita do meio-irmão Abdullah, que faleceu aos 90 anos em decorrência de complicações pulmonares, depois de longo período marcado por problemas de saúde.
“Nós vamos continuar, com o apoio de Deus, a manter o caminho certo pelo qual este país tem avançado desde seu estabelecimento pelo falecido rei Abdulaziz”, disse o rei Salman, em discurso transmitido pela televisão estatal. Salman também fez um pedido por unidade e solidariedade entre os países muçulmanos e árabes, prometendo servir à Arábia Saudita e protegê-la de todo mal.
Maior produtor mundial de petróleo, a Arábia Saudita é o mais importante parceiro dos Estados Unidos no mundo árabe, tendo cerrado fileira ao lado do governo de Washington no combate à Al-Qaeda e ao seu idealizador, o terrorista Osama bin Laden, cuja família goza de poder e prestígio no país que abriga a cidade sagrada para os muçulmanos: Meca.
Até recentemente, o Iêmen cotava com o apoio da Arábia Saudita, que despeja gratuitamente petróleo no país da Península Arábica. Como o Iêmen não tem reservas de petróleo e depende economicamente da agricultura, o falecido rei Abdullah apoiava os vizinhos em um gesto que mesclava solidariedade com interesses geopolíticos.
O grande nó que terá de ser desatado pelo rei Salman bin Abdul-Aziz atende pelo nome de Iêmen, onde uma célula da Al Qaeda atua com pouco mais de mil integrantes, mas no vácuo de violência muito maior do que a matriz criada por Osama bin Laden.
Na quinta-feira (22), o presidente iemenita Abdo Rabu Mansur Hadi renunciou ao cargo, juntamente com primeiro-ministro Khaled Bahah, mas o Parlamento rejeitou a decisão, turbinando assim a onda de protestos que varre o país árabe sob o comando do grupo xiita Houthi, responsavel pela escalada da violência que tomou a capital Sanna nos últimos dias.
Nas manifestações desta sexta-feira na capital iemenita, milhares de apoiadores dos rebeldes houthis ocuparam as ruas carregando cartazes que exibiam a frase “Deus é grande, morte aos EUA, morte a Israel, maldição aos judeus e vitória ao Islã”. O enigma dessa explosão de violência no Iêmen está exatamente nesse detalhe, não tão pequeno quando analisado com a devida calma.
Nesse cenário explosivo emoldurado pelo radicalismo dos jihadistas vale salientar, como primeiro passo, que a Al Qaeda reivindicou a autoria do ataque terrorista ao jornal satírico parisiense Charlie Hebdo, perpetrado em 7 de janeiro passado pelos irmãos Chérif e Said Kouachi, mortos por policiais franceses depois de uma longa caçada humana. Os Kouachi receberam treinamento terrorista-militar na Al Qaeda do Iêmen.
Ao ler a frase que recheou os cartazes exibidos pelos apoiadores dos houthis em Sanaa logo vem à mente os primeiros passos da Primavera Árabe, que ao deixar o Egito acabou tropeçando na Síria quando encontrou pela frente a violenta ditadura de Bashar al-Assad. Com o apoio financeiro e bélico do Ocidente, e também de alguns governantes do mundo árabe que odeiam Assad, os adversários do ditador sírio deram aos radicais do “Estado Islâmico” o empurrão que faltava.
Os extremistas do Estado Islâmico dominaram parte da Síria e avançaram na direção do Iraque, que desde a morte do ditador Saddam Hussein está à deriva em termos políticos. Por conta dessas possessões, mesmo que temporárias e incertas, o EI pretende instalar na região um califado, no afã de ressuscitar o antigo Império Muçulmano, que cresceu depois da morte do profeta Maomé, mas acabou desmoronando por questões políticas locais.
É fato que entre a região ocupada pelo EI e o Iêmen há o vastíssimo território saudita, mas no radicalismo que covardemente se esconde debaixo do Islã tudo é possível. Não custa lembrar que ao deixar o Egito o movimento da Primavera Árabe precisou apenas atravessar o Mar Vermelho para dar adeus À porção norte do continente africano.
Um dos fatores que contribuíram para o arrefecimento do radicalismo islâmico, em especial do EI, foi o surgimento da Irmandade Muçulmana, que a qualquer momento poderá aportar no Iêmen. Essa operação rumo ao extremismo não deve ser descartada, pois enquanto os houthis instalam a violência na capital iemenita, no norte do país um grupo separatista condena a ação dos rebeldes.
Em suma, o rei Salman, da Arábia Saudita, que precisa tomar uma decisão rápida e certeira em relação ao vizinho Iêmen, não poderá aproveitar com tranquilidade e prazer as lendárias “mil e uma noites”, pois ao que parece o inimigo mora ao lado.