O olho esquerdo de Cerveró

(*) Ipojuca Pontes –

ipojuca_pontes_15No ano em que a mui desleal cidade de São Sebastião de Rio de Janeiro completa oficialmente 450 anos, o artigo carnavalesco mais procurado no Saara (centro do comércio popular estabelecido nas imediações da secular rua da Alfândega-Rio) tem sido a máscara de Nestor Cerveró, sinistro personagem envolvido até os ossos no rumoroso escândalo da Petrobras – o Petrolão – que ora avassala o País.

Parece estranho, mas como sempre ocorre no cenário luxuriante da permissiva cidade, Cerveró não ficou tristemente célebre por ter possibilitado, sob o amparo da gerentona Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula e presidente do Conselho de Administração da empresa petrolífera, o rombo de 1 bilhão e 200 milhões dólares no caixa da Petrobras, quando da fraudulenta negociação da Pasadena Refinery System inc, em 2006, no Texas, Estados Unidos.

Tampouco Cerveró, ex-diretor internacional da Petrobras, chegou ao topo da fama no solo carioca por ter escrito relatório favorável â compra da falida refinaria americana que custara à sua antiga proprietária a quantia de meros US$ 50 milhões, acarretando aos cofres da estatal brasileira, com a negociata, um prejuízo líquido e certo de 1bilhão cento e 50 milhões de dólares.

E, ao contrário do que se possa imaginar, o astucioso burocrata da estatal do petróleo também não ficou famoso porque o seu parceiro de diretoria da empresa, o “Paulinho amigo de Lula” (Paulo Roberto Costa, o homem da delação premiada), informou à Polícia Federal de Curitiba que Cerveró teria recebido da Astra, sócia da Petrobras na maldita negociata da refinaria de Pasadena, propina de 30 milhões de dólares.

Para ser preciso, ele nem mesmo se tornou herói (ou anti-herói) na imaginação da patuleia ignara por tentar blindar seu patrimônio e sacar de uma só vez a insignificante quantia de 500 mil reais de um fundo de reserva privado ou ainda transferir bens imóveis de sua propriedade para seus afortunados familiares.

Nada disso teve grande importância ou elevou Cerveró ao panteão do interesse popular. De fato, como o brasileiro mede sua opinião pelo lado estético das coisas e seres, segundo pesquisa exposta na Internet, o que levou Cerveró ao status de celebridade nacional e despertou a atenção de todos foi o seu olhar perfunctório e ambivalente, singela mistura de duas doenças raras no ramo da oftalmologia: a ptose e a exoftalmia. Na anomalia em foco, enquanto o olho direito, num plano mais alto, apresenta a pálpebra caída, o olho esquerdo, embora num plano mais baixo, projeta de forma agressiva o globo ocular para fora da órbita – o que causa no perplexo observador uma sensação desagradável, mas tão intensa quanto a atraente expressão do belo e do horrível perceptível, por exemplo, nos caninos do Conde Drácula.

Na obra dramática “O Mercador de Veneza”, que envolve um ambiente moral, político e cultural muito parecido com o nosso, Shakespeare nos fala de singular personagem vesgo, cujo olho direito, voltado para si, apenas enxerga suas entranhas e seus órgãos vitais em ebulição, pulsando pelo desejo de aplacar a fome do instinto animal – enquanto o olho esquerdo, implacável e fora de órbita, perscruta o mundo exterior de “olho grande” na riqueza do próximo e na vontade férrea de escravizá-lo e extorqui-lo.

É sintomático, senão premonitório, que o olho esquerdo do personagem shakespeariano, revelador da sanha da cobiça, denuncie simbolicamente todas as formas de socialismo da face terra, particularmente nefastas, por exemplo, no governo petista que ora avilta o povo brasileiro.

PS – Ah, ia esquecendo: Mao, segundo biógrafos, estremecia de prazer pelo olho esquerdo enquanto violentava garotas e garotos impúberes e Stalin, idem, quando mandava fuzilar dissidentes!

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(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.

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