Nova Lei do Islã gera críticas de muçulmanos na Áustria

austria_01Papel carbono – Para a coalizão que governa a Áustria, composta pelo Partido Social Democrata da Áustria (SPÖ) e o Partido Popular Austríaco (ÖVP), a nova Lei do Islã poderia servir de modelo para outros países europeus.

Mas as pessoas diretamente afetadas pela nova lei não escondem a apreensão. “A Áustria já foi vista como modelo de relação com a população muçulmana. Eu espero que isso se mantenha, mas é realmente questionável”, diz Carla Amina Baghajati, porta-voz da Confissão Religiosa Islâmica na Áustria (IGGiÖ).

Em questão está a atualização de uma lei de 1912, introduzida pelo imperador Franz Josef 1º, quando ele anexou a Bósnia e Herzegovina ao Império Austro-Húngaro. A lei concedia aos muçulmanos vários dos direitos que católicos, protestantes e judeus já tinham como educação religiosa específica nas escolas do Estado.

A comunidade islâmica, porém, achava que isso não era o suficiente. Há uma década, ela começou um movimento por mudanças, em parte porque as leis protestantes e judaicas eram mais abrangentes do que a lei para os muçulmanos, que tinha apenas uma página e meia. Além disso, há cada vez mais muçulmanos na Áustria.

Crescimento acelerado

O islã é a religião que mais cresce na Áustria. Em 2013, quase 7% da população se declarava muçulmana – são quase 574 mil pessoas, ante 339 mil em 2001. Estima-se que 12,5% da população em Viena seja muçulmana.

A comunidade abrange uma ampla variedade de etnias e práticas religiosas. A maioria dos muçulmanos é de origem turca e bósnia, mas existem também muitos árabes, persas e chechenos. Os grupos têm variações nas suas práticas religiosas. A comunidade alevita foi reconhecida somente em 2010.

Também há registros de problemas. Conforme estimativas recentes, 190 pessoas provenientes da Áustria, a maioria exilados chechenos, deixaram o país para lutar em grupos extremistas, como o “Estado Islâmico”.

Neste ano, a polícia austríaca deteve vários menores de idade por suspeita de envolvimento com o terrorismo. Em um caso que chamou a atenção, duas adolescentes viajaram para a Síria em abril do ano passado para se casar com jihadistas.

Esses casos, somados aos recentes ataques em Paris e Copenhague, azedaram as negociações para uma atualização da lei de 1912. “Aos olhos do público, a Lei do Islã se tornou uma lei de segurança pública”, sintetiza.

Medidas restritivas

Entre outras coisas, a nova lei dá aos muçulmanos folga do trabalho em dias religiosos sem o risco de qualquer tipo de punição. Eles poderão ter orientação espiritual quando servirem o Exército e também na prisão, em hospitais e casas de recuperação. Eles também terão o direito de receber comida preparada conforme os preceitos da religião.

Por outro lado, a lei proíbe mesquitas de receberem financiamentos do exterior e também proíbe imãs que recebem dinheiro de fora de pregar na Áustria. A lei também incentiva o ensino da fé muçulmana em alemão e não em outras línguas, como o turco, o que é frequente hoje.

O novo texto também lembra aos muçulmanos que as leis do Estado de Direito precedem as crenças religiosas e dá ao Estado o direito de revogar o reconhecimento de uma comunidade caso ele acredite que ela não segue a lei.

“Nós queremos um Islã com um caráter austríaco”, disse o ministro da Integração, Sebastian Kurz, na televisão pública ORF, em outubro passado.

A comunidade muçulmana argumenta que nenhum outro grupo religioso enfrenta restrições quanto ao recebimento de recursos financeiros do exterior. A Igreja Católica recebe recursos do Vaticano, os protestantes, da Alemanha, e os judeus recebem apoio de Israel e dos Estados Unidos.

Influência externa

“[No caso das outras religiões], nós não temos que nos preocupar com a influência de outras nações. Por isso tivemos que ser um pouco mais restritos sobre o financiamento de outros países no caso do Islã”, argumenta Kurz.

A porta-voz do Partido Social Democrata, Alexandra Hopf, disse que uma razão para essas restrições é que, ao longo dos últimos cem anos, o islã não se integrou no país como se esperava. O governo da Turquia, por exemplo, continua financiando um grande número de imãs que vivem na Áustria por um período limitado, não aprendem alemão e continuam pregando em turco.

“Existe muita influência política. Nós queremos ver imãs treinados aqui, pregando em alemão, entendendo a nossa cultura”, argumenta.

Vai funcionar?

A comunidade islâmica também tem objeções à inclusão da observação de que a lei do Estado precede as leis religiosas – uma formulação que não existe em nenhum outro lugar. “É como se eles acreditassem que a sharia vai tomar conta da Áustria”, argumenta Baghajati. “Nós dissemos várias vezes que somos pelo pluralismo, pelo domínio da lei e pela igualdade.”

Mas os representantes do governo austríaco dizem que estão orgulhosos da nova lei. “Levou muito tempo. Foi discutido intensamente, e nós estamos orgulhosos disso. Nós acreditamos que ela ancora o Islã no nosso país”, diz Hopf.

Baghajati não está tão confiante. Muitos líderes muçulmanos discutiram a possibilidade de levar a lei ao tribunal constitucional da Áustria, mas nenhuma decisão foi tomada.
“A velha lei era significativa para os muçulmanos. Ela nos dava laços emocionais profundos com a Áustria. Depois que essa nova lei for aprovada, eu não estou certa de que os muçulmanos vão continuar sentindo esse mesmo vínculo emocional”, diz Baghajati. (Com agências internacionais)

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