(*) Percival Puggina –
Pelo menos dois milhões e meio de pessoas saíram às ruas no dia 15 de março. Diziam, em essência, quatro coisas: Fora Dilma! Fora PT! Chega de corrupção! E a que estava escrita na camiseta que eu usava: Impeachment! A desaprovação da presidente, em março, segundo levantamento da Datafolha, chegou a 62%. Em fevereiro, o mesmo instituto dizia que para 52% dos brasileiros Dilma é falsa, para 47% é desonesta e para 46%, mentirosa. Nada surpreendente quando esses números se referem a quem disse que “a gente faz o diabo em época de eleição”.
Num sistema de governo bem concebido, do tipo parlamentarista, tal situação levaria ao voto de desconfiança. O governo cairia. No presidencialismo, tem-se o que está aí: uma crise institucional. Então, era preciso contra-atacar. Qual o conselho do diabo numa hora dessas? “Diz que teus opositores não gostam de pobre!”, recomendaria o Maligno. Foi o que fez Lula, num discurso à porta do hospital onde a Petrobras, por culpa dele e de seus companheiros, respira por meio de aparelhos.
Disse o ex-presidente: “O que estamos vendo é a criminalização da ascensão social de uma parte da sociedade brasileira. (…) A elite não se conforma com a ascensão social dos pobres que está acontecendo neste país”. Por toda parte, o realejo da mistificação, da enganação, da sordidez intelectual passou a ser acionado por gente que se faz de séria. Colunistas chapa-branca, artistas subsidiados pelo governo, intelectuais psicologicamente enfermos se alternam na manivela do realejo, a repetir essa tese.
O líder do MST, João Pedro (quebra-quebra) Stédile, falando ao lado de Dilma no RS, enquanto eu escrevia este artigo, rodou a manivela: “A classe média não aceita assinar a carteira da sua empregada doméstica. A classe média não aceita que o filho de um agricultor esteja na universidade. A classe média não aceita que os negros andem de avião. A classe média não aceita que o povo tenha um pouco mais de dinheiro”. Suponho que na opinião dele, os patrocinadores do MST são santos cujas meias deveriam ser guardadas para fazer relíquias, apesar de esfolarem a nação e encherem os próprios bolsos e os bolsos dos ricos. Quão tolo é preciso ser para se deixar convencer de que o povo sai às ruas porque pobres e pretos andam de avião e não por estar sob um governo que se dedicou a fazer o diabo? Como pode a mente humana entrar em convulsões e a alma afundar em indignidades de tais proporções?
Leonardo Boff, foi outro. Perdeu boa parte de sua fé católica, mas não a fé em Lula, a cujo alto clero não se constrange de pertencer. Dia 16, em Montevidéu, declarou: “No Brasil há uma raiva generalizada contra o PT, que é mais induzida pelos meios de comunicação, mas não é ódio contra o PT, é ódio contra os 40 milhões (de pobres) que foram incluídos e que ocupam os espaços que eram reservados às classes poderosas”. É assim que o petismo age. Deve haver um lugar bem quente no inferno para quem se dedica a esse tipo de vigarice intelectual.
Vigarice, sim. E tripla vigarice. Primeiro, porque transmite a ideia equivocada de que o PT acabou com a pobreza, quando o partido está empobrecendo a todos, a cada dia que passa. Segundo, porque a nada o petismo serviu mais do que à prosperidade material de sua alta nomenklatura e a dos muitos novos bilionários que, há 12 anos, servem e se servem do petismo. Terceiro, porque só o PT se beneficia da pobreza dos pobres, aos quais submete por dependência.O desenvolvimento econômico e social harmônico é generoso. A ascensão dos pobres, quando ocorre de fato e não por doação ou endividamento, beneficia a todos. Isso até o diabo sabe.
(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.