Mundo à parte – Divulgado na quarta-feira (3) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), o Mapa do Encarceramento mostra que 18,7% dos presos brasileiros não precisariam estar atrás das grades. Isso porque eles se enquadram no perfil para o qual o Código de Processo Penal prevê penas alternativas.
De acordo com o relatório, a prisão desnecessária deve estar relacionada às “tendências punitivistas” da Justiça criminal, às deficiências no exercício no direito de defesa e na função fiscalizadora do Ministério Público. Além disso, um grande número de presos ainda aguarda julgamento.
O Mapa do Encarceramento também aponta que o número de presos no Brasil passou de 296.919 em 2005 para 515.482 em 2012, o que representa aumento de 74%. O crescimento da população carcerária no Brasil foi impulsionado, sobretudo, pela prisão de jovens, negros e mulheres.
A faixa etária que registra a maior incidência de presos é a de 18 a 24 anos. Proporcionalmente, o encarceramento de jovens foi 2,5 vezes maior do que o de não jovens (acima de 30 anos de idade) em 2012. O que mostra que a juventude brasileira está carente de oportunidades e sem qualquer perspectiva em relação ao futuro.
No mesmo ano, negros foram presos 1,5 vez mais do que brancos, e a proporção de negros na população prisional também aumentou no período. Em 2012, 60,8% da população prisional negra era negra.
Embora o número de presos do sexo feminino seja muito superior ao do sexo masculino – em 2012, eram 31.824 mulheres e 483.658 homens –, o crescimento da população carcerária feminina foi de 146% em relação a 2005.
Quanto aos tipos de delitos mais frequentes, os crimes contra o patrimônio corresponderam a cerca da metade das prisões realizadas em 2012; as infrações envolvendo entorpecentes, a 25% das detenções; e os contra a pessoa, a 12%.
“Embora a base de dados analisado tenha impossibilitado o cruzamento das informações de perfil dos presos brasileiros, a análise das variáveis permitiu observar que o encarceramento brasileiro incide sobre homens, negros, jovens, autores de crimes patrimoniais e que, em sua maioria, não chegam a completar o ensino médio”, destaca o relatório.
Reincidência merece atenção
O sistema carcerário brasileiro nem de longe recupera os que foram condenados à pena de restrição de liberdade. Na verdade, os presídios do País se transformaram em verdadeiras escolas do crime, onde facções dominam e dão as ordens, como se inexistissem leis.
Condenar um acusado à prisão sem se preocupar com sua recuperação e consequente reinserção na sociedade é colocar a população diante da continuidade do crime. Durante o cumprimento da pena, o condenado passa a viver uma nova realidade e adota hábitos e costumes típicos do cárcere, o que o afasta do convício social. Essa nova modalidade de vida passa a prevalecer na psique do preso, que ao reconquistar a liberdade não mais se encaixa na vida em sociedade.
Esse confronto leva o ex-preso ao cometimento de novo crime, normalmente o mesmo que o levou à condenação, como forma de criar, mesmo que inconscientemente, um caminho de volta ao universo carcerário, com o qual o mesmo se identifica.
Esse tema já foi objeto de estudo por parte do editor do UCHO.INFO, que durante dois anos atuou no sistema prisional paulista para minimizar as agruras do cárcere para aqueles que ainda não foram cooptados pelas facções criminosas que comandam os presídios.
População carcerária feminina
Durante anos o editor do site se dedicou a estudar o ingresso da mulher no mundo do crime, o que encontra explicação sempre em uma figura masculina, mas por motivações distintas. Muitas vezes isso acontece por abandono, traição, concorrência, falta de opções de sobrevivência, entre outros motivos. As mulheres, via de regra, chegam ao sistema prisional na esteira do tráfico de entorpecentes.
Nesse mundo à parte que representa a seara feminina dos presídios, merece atenção a forma como as mulheres são tratadas ao longo do cumprimento da pena. Na maior parte do tempo são não apenas abandonadas pelos parceiros, mas também e principalmente pelo Estado, que não dispensa a elas um tratamento adequado que garanta a recuperação e a reinserção social.
Na extinta Penitenciária Feminina do Tatuapé, na zona leste da cidade de São Paulo, 650 mulheres cumpriam pena, a maioria por tráfico de drogas. É importante destacar que nesse presídio, em particular, havia diariamente pelo menos 100 mulheres com tensão pré-menstrual (TPM), o que transformava a unidade carcerária em um constante barril de pólvora. Não saber lidar com esse tipo de situação leva a rebeliões e crimes violentos.
Durante os anos em que esteve ministrando cursos na Penitenciária Feminina do Tatuapé, o editor não enfrentou uma rebelião sequer, pois às presas foi permitido o diálogo como caminho para alcançar suas reivindicações, muitas delas legais.
No transcorrer da CPI do Sistema Carcerário, que tramitou na Câmara dos Deputados, o editor se colocou à disposição dos parlamentares para relatar a realidade das mulheres no cárcere, mas simplesmente foi ignorado por pessoas que, soberbas, creem estar acima do Olimpo.
O que para muitos pode parecer excesso de preocupação com quem viola as leis vigentes no País, na verdade é uma forma de recuperar os apenados e de minimizar a reincidência, que na maioria das vezes se dá no rastro da falta de opção de sobrevivência e da dificuldade de retorno à sociedade. (Com DW)