A tragédia de Mariana, no interior de Minas Gerais, tem efeito duplo na seara política, além da enorme consternação que emerge da enxurrada de lama que ceifou vidas, destruiu casas, interrompeu sonhos e aniquilou histórias. Por um lado está o silêncio do governo de Dilma Vana Rousseff, que preferiu se manifestar apenas por meio de nota oficial, como se o caos que se instalou na cidade mineira merecesse tamanha frieza. Por outro está o governo de Minas Gerais, o petista Fernando Pimentel, que aproveita a cena para desviar a atenção da opinião pública, que há muito vinha acompanhando o escândalo de corrupção investigado pela Operação Acrônimo, da Polícia Federal.
Enquanto medidas são tomadas tardiamente pelas autoridades, a realidade dos fatos continua submersa na lama da incompetência que devasta o Estado brasileiro, como um todo. Vinculado ao Ministério de Minas e Energia, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é o órgão responsável pela concessão de autorização para exploração mineral e fiscalização das empresas que atuam no setor. Com 80 anos de existência, o DNPM transformou-se nos últimos anos em uma espécie de cornucópia que despeja dinheiro nos cofres da União, a quem pertence o subsolo nacional.
Na última década, o DNPM foi simplesmente ignorado pelo governo em termos de investimentos, ao mesmo tempo em que foi encarado pelo governo federal como uma lavra de dinheiro fácil. Isso porque o órgão não recebeu adequadamente os recursos que lhe cabem nessa cadeia da exploração mineral, mas contribuiu de forma robusta para engrossar o orçamento federal. Sem dinheiro, o DNPM mergulhou em um processo de sucateamento, reflexo da governança pífia empunhada pelo Partido dos Trabalhadores, que nesse período mostrou ao povo brasileiro a suam maior competência: a corrupção.
Assim como aconteceu no trágico acidente aéreo ocorrido no Aeroporto de Congonhas, onde 199 pessoas morreram após uma aeronave não conseguir frear no aeródromo paulistano, a culpa maior pelo acidente de Mariana é do governo federal, que insiste em fugir das suas responsabilidades. Enquanto a mídia se farta com notícias trágicas, faturando alto com a audiência, os profissionais da imprensa ignoram os bastidores da mineralogia brasileira.
Não se trata de minimizar a responsabilidade da empresa Samarco, de propriedade da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, mas de chamar à lide quem de fato deveria fiscalizar as empresas de mineração no País. Enquanto no Canadá, país chamado de “primeiro de mundo”, o setor de mineração tem aproximadamente um fiscal para cada sete licenças, no Brasil essa relação sobe para um fiscal para cada setecentas licenças.
Considerando que a mineração é uma das grandes fontes de riqueza do País, o governo deveria ao menos manter os investimentos no DNPM, que na verdade não precisa do dinheiro oficial, mas apenas dos recursos provenientes da própria arrecadação, a qual há muito engorda os cofres do Tesouro. Na verdade, se o governo de Dilma Rousseff mirasse com olhos de responsabilidade o DNPM, possivelmente o malfadado pacote de ajuste fiscal não seria necessário. Assim como o governo, o órgão trabalha com planejamento precário e sem condições de exercer o seu papel à altura.
Para que os leitores compreendam a irresponsabilidade do governo, que agora tenta transferir a culpa pela tragédia apenas à mineradora, o DNPM há dois anos não recebe os recursos oficiais a que tem direito, situação piorada com decisão do Ministério do Planejamento de fazer um corte linear no orçamento, como se os investimentos necessários pudessem ser gerenciados com a navalha do barbeiro da esquina mais próxima.
Ao governo Dilma falta não apenas capacidade, mas disposição para aprender com os próprios erros e humildade para delegar responsabilidades a terceiros, em especial quando em jogo estão vidas humanas. Diferentemente do pensam os palacianos e os frequentadores do Ministério de Minas e Energia, que na última década flertou com a corrupção que derreteu as finanças da Petrobras, o DNPM precisa não apenas de geólogos e engenheiros especializados em mineralogia, mas também de engenheiros civis, aos quais caberia a missão de fiscalizar as obras das mineradoras e checar a segurança das mesmas. Para piorar, há anos não é realizado um concurso para fiscais do DNPM.
Se o governo não tem condições de exercer seu papel na integralidade, que permita ao DNPM firmar parcerias com universidades públicas, como USP e UFMG, por exemplo, para que a fiscalização das mineradoras também seja feita por engenheiros civis. A grande questão é que nas últimas décadas, após a retomada da democracia, o Brasil passou a ser movido apenas pela ideologia, sendo que as questões básicas para a existência de uma nação ficaram à beira do caminho. E nesse caso, de mão dadas cm a lama da corrupção, está a avalanche da incompetência.