Sem esboçar preocupação com a opinião pública e apostando na impunidade, senadores decidiram blindar o ainda petista Delcídio Amaral (MS), até que o Supremo Tribunal Federal decida pela denúncia contra o parlamentar que acabou atrás das grades por oferecer um plano de fuga a Nestor Cerveró e tentar calar o ex-diretor da Petrobras, investigado e preso na Operação Lava-Jato.
Colocado em liberdade recentemente por decisão do ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava-Jato no STF, Delcídio teria ameaçado arrastar metade do Senado ao olho do furacão no caso de ter o mandato cassado. A ameaça, por questões óbvias, foi desmentida, mas é importante lembrar que o ex-líder do governo na Casa desde o primeiro instante foi pressionado pela família para que contasse o que sabe. Delcídio chegou a contratar um advogado especialista em delação premiada, como alguns clientes na Lava-Jato, mas a alcaguetagem foi descartada.
Há dias, o Conselho de Ética do Senado decidiu afastar o relator do caso de Delcídio Amaral, pois o mesmo, segundo o petista, não tinha isenção suficiente para comandar o processo de cassação. O ex-relator é do PSDB, partido de oposição ao qual o próprio Delcídio já foi filiado.
A estratégia é postergar ao máximo o julgamento de Delcídio, o que deixa em suspenso a votação para eventual cassação de mandato. Os senadores, a começar por Renan Calheiros, alegam que como o Supremo ainda não se pronunciou a respeito do caso, não cabe ao Senado tomar a iniciativa. Ou seja, mais uma vez entrou em cena o espírito de corpo, mas que pode muito bem ser chamado de “espírito de porco”, pois a lambança é desmedida.
Essa manobra sem dúvida é escandalosa, uma bofetada na sociedade, mas não se pode esquecer que há nos primórdios da Operação Lava-Jato uma explicação para tanto. Tão logo o Supremo divulgou a fatídica lista dos políticos investigados na operação que interrompeu o maior esquema de corrupção da História, o Petrolão, um bate-boca entre Renan e Delcídio chamou a atenção. Um dizia que o outro deveria estar preocupado, enquanto o reverso era igualmente idêntico. Se Renan Calheiros entrou primeiro na mira da Lava-Jato, não demorou muito para Delcídio seguir o mesmo caminho. O que aconteceu por conta da ousadia do senador sul-mato-grossense.
Como se não bastasse, Delcídio Amaral, que já foi diretor da Petrobras, nos tempos de FHC, tendo sob seu comando Nestor Cerveró, atuou de forma deliberada na estatal, já como senador, em conjunto com o finado deputado José Janene (PP-PR), o xeique do Mensalão do PT e mentor intelectual do esquema de corrupção que foi a mola propulsora para a Lava-Jato.
Diante desse intrincado cenário não há dúvidas de que Delcídio Amaral sabe muito mais do que nove entre dez senadores gostariam. A ameaça de Delcídio foi negada publicamente – ele disse que “não é burro nem louco” –, mas nos bastidores a promessa de revelar o que sabe continua valendo.
Em meados de 2005, em agosto daquele ano, quando o editor do UCHO.INFO afirmou que um novo esquema de corrupção começava a funcionar para substituir o malfadado Mensalão do PT, a reação imediata de Delcídio foi externar uma preocupação que ultrapassou as fronteiras do Congresso Nacional. No contraponto, Janene, que fazia dupla com o senador, foi mais explícito e ameaçou o editor do site, não sem antes chamá-lo de terrorista. O tempo passou e a confirmação das nossas denúncias primeiras surgiu no escopo da Operação Lava-Jato.
Apenas para lembrar – e também para informar aqueles que desconhecem o fato –, Delcídio não apenas acompanhou a atuação do editor durante a CPMI dos Correios, que o senador presidiu, mas temeu as informações disponibilizadas pelo jornalista à Comissão Parlamentar de Inquérito.
Certa feita, Delcídio reconheceu o trabalho do editor do UCHO.INFO e disparou: “Eu gosto muito do site pelo grande dinamismo. Eu mesmo já levei umas cutucadas, mas digo que é um jornalismo que forma a opinião pública e que desperta o interesse de toda a classe política.” Em suma, aqui não se tergiversa, não se brinca com coisa séria. Faz-se jornalismo com responsabilidade, jamais de encomenda.