Política é negócio, como sempre afirmamos, mas também é jogo. E para quem quiser sobreviver nesse palco, marcado por interesses espúrios e fatos inexplicáveis, a ordem é jogar muito. Isso significa que na política nada acontece por acaso e que inexistem coincidências. Todas as ações dos políticos são milimetricamente planejadas, em especial quando o ano é de eleições, como é o caso do corrente.
Até a fase final do processo de cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética, muitos dos integrantes do colegiado eram, no âmbito nacional, ilustres desconhecidos. Fizeram do calvário alheio um trampolim para a fama. Afinal, disse certa feita o artista plástico norte-americano Andy Warhol, já falecido, que todo ser humano tem direito, ao menos, a quinze minutos de fama ao longo da vida.
Debaixo desse mantra de Warhol não se pode negar que muitos deputados saíram do anonimato na condição de “caroneiros” dos trusts que têm Eduardo Cunha como beneficiário. Uma dessas figuras políticas que tornaram-se nacionalmente conhecidas é a deputada federal Tia Eron (PRB-BA), que até outro dia era considerada a tábua de salvação do peemedebista.
Mesmo alegando, em seu discurso, que não sentia-se pressionada, seu voto a favor da cassação de Cunha se deu na esteira da pressão. Tia Eron disse, ao abrir sua fala na sessão de votação, que não é estrela, mas agiu estrategicamente como tal. Tomou o famoso “chá de sumiço” durante uma semana, sem que o País soubesse seu voto, mas viu o próprio nome estampado na extensa maioria dos veículos de comunicação nacionais. O que em nada compromete a sua atuação parlamentar. Em suma, a professora Eronildes Vasconcelos Carvalho soube tirar proveito da situação, algo não condenável.
Tia Eron valeu-se da condição de mulher e chamou para si a responsabilidade de resolver um processo que demorou sete meses para chegar ao capítulo final, sem que os homens do Conselho tivessem competência para desatar o tal nó. E a parlamentar baiana comparou a demora ao período normal de uma gestação.
Ao falar sobre o seu partido, o PRB, Tia Eron afirmou que o mesmo não vive à sombra do escambo político. “Importa dizer, ainda, que o meu partido, que foi colocado no imaginário balcão, onde a chantagem seria a moeda de troca, o PRB, deputado Chico Alencar… não se troca votos por cargos ou quaisquer outras vantagens. Nossa política é diferente. É preciso registrar isso aqui. Nossa política é diferente.”
A deputada Tia Eron tem direito à livre manifestação do pensamento, pois assim garante a nossa Constituição, mas não se pode ignorar que política, assim como mencionado anteriormente, continua sendo um jogo. E não tão cedo deixará essa seara, onde a disputa pelo poder alcança as raias do absurdo e da covardia.
A parlamentar do PRB até chegou a sugerir a leitura de Umberto Eco e Darcy Ribeiro, em relação à desconstrução do óbvio, mas a política nacional continua avançando em suas terríveis obviedades. Mesmo que Tia Eron assim não queira.
É importante ressaltar, como contraponto à fala da deputada, que o PRB até recentemente apoiava o desgoverno de Dilma Rousseff. Apoio esse que teve como contrapartida um lugar ao sol na Esplanada dos Ministérios. O mesmo acontece em relação ao governo interino de Michel Temer.
O voto de Tia Eron a favor da cassação do presidente afastado da Câmara passou uma fina camada de verniz nos planos eleitorais de dois correligionários: Celso Russomanno e Marcelo Crivella, candidatos às prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente. E ambos – Russomanno e Crivella – sabem muito bem o que é escambo político. Aliás, Crivella poderia explicar aos brasileiros o milagre da multiplicação ocorrido no “seguro defeso”, à época em que o senador-pastor era responsável pelo Ministério da Pesca.