Sem dúvida são graves as denúncias feitas por Sérgio Machado à sombra de acordo de delação premiada, mas essas são órfãs de provas. O que por si só desqualifica o acordo de colaboração firmado com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava-Jato.
Ciente de que estava fadado a pesada condenação, Machado antecipou-se e buscou um acordo de delação, mas fracassou na primeira investida. Diante da inconsistência do seu arcabouço de informações, o ex-presidente da Transpetro partiu para a produção de provas, possivelmente por sugestão de terceiros. Acreditava que a gravação de conversas com próceres peemedebistas seria o trunfo maior para alcançar seu intento. Não se sabe se a sugestão para as gravações partiu de integrantes da força-tarefa ou de familiares.
As gravações isoladamente não indicam o cometimento de crime por parte dos gravados, apesar de esses serem velhas e conhecidas figuras da política nacional, sobre os quais recaem acusações graves. Em suma, não são anjos barrocos que por descuido despencaram no Parlamento brasileiro. Mas a questão é provar aquilo que foi denunciado.
Em um dos treze depoimentos que prestou às autoridades, Machado disse que, a pedido de Michel Temer, o presidente da República interino, conseguiu doação de R$ 1,5 milhão para a campanha de Gabriel Chalita, que em 2012 concorreu à prefeitura paulistana. Temer negou e disse que a afirmação é criminosa e não ficará sem resposta no âmbito da Justiça. Machado, por sua vez, após a fala do presidente, ratificou sua declaração. E não poderia ser diferente, pois mentira é capaz de anular um acordo de delação.
A falta de consistência da delação do ex-dirigente da subsidiária da Petrobras fica evidente no ponto que trata do tema acima. O PMDB, nos últimos anos, foi palco de intestina e silenciosa briga pelo controle da legenda, queda de braços que até recentemente era protagonizada por Michel Temer e Renan Calheiros. Isso posto, se Machado atendesse ao pedido de Temer para ajudar financeiramente a campanha de Chalita, estaria traindo Calheiros, seu padrinho na presidência da Transpetro. Em outras palavras, quebra-cabeças com peças trocadas e de gente desesperada.
Sérgio Machado também disse que criou fundo de investimento no exterior para administrar o dinheiro da propina cobrada de empreiteiras contratadas pela Transpetro, sendo que parte dos recursos, tempos depois, foi repassada a vários políticos. Em alguns casos o repasse foi em dinheiro vivo, afirmou o delator. Ou seja, não há como provar.
Fanfarrão e sabendo que seus depoimentos produzem mais fumaça do que fogo, Machado abusou da ironia, do falso moralismo e da mitomania ao acrescentar detalhes em sua delação. “Indagado se deseja acrescentar algo mais, destacou que o esquema ilícito de financiamento de campanha e de enriquecimento ilícito desvendado pela Lava-Jato ocorre desde 1946 e este é um momento de se alterar essa realidade, sendo esta uma das razões pela qual decidiu colaborar”, destaca trecho da delação.
Machado quer a essa altura dos acontecimentos vender a ideia do falso samaritano, mas controlava, através do filho, contas bancárias no exterior que receberam dinheiro de propina. E garante que parte dos recursos ilícitos foi entregue em espécie aos denunciados.
O principal e maior ilícito desvendado pela Operação Lava-Jato, pelo que se sabe, ocorria na Petrobras. Para quem desconhece a história, a Petrobras foi fundada em 1953, portanto sete anos depois da data sugerida pelo alcaguete bufão. Ademais, Sérgio Machado deve ser um dos raros seres humanos que vieram ao mundo a bordo de doses extras e generosas de sabedoria e genialidade, pois o próprio prodígio nasceu em 1946 – mesmo ano do começo da roubalheira na estatal que foi fundada quase uma década mais tarde.
A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, conhecida como “Lei das Organizações Criminosas”, é clara ao estabelecer em seu artigo 4º, parágrafo 14, que: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.”
A menção explicita a “compromisso legal” significa que uma informação inverídica pode suscitar a anulação do acordo de delação premiada. Deixando de lado as acusações que jamais serão provadas – e são muitas –, até porque não há como comprovar pagamento de propina em dinheiro vivo, Sérgio Machado faltou com a verdade de maneira escandalosa. Aliás, os trechos gravados dos depoimentos que foram liberados mostram que o delator não tem competência para sequer se candidatar a roteirista de novela mexicana.