A decisão britânica de sair da União Europeia na histórica quinta-feira, 23 de junho, possivelmente afetará a vida de milhares de brasileiros que vivem no Reino Unido com passaporte europeu ou são parentes de cidadãos europeus.
Por exemplo, quem se beneficia hoje das regras de livre circulação no bloco passará a se submeter a regras estabelecidas pela legislação nacional britânica. Por outro lado, quem já está no Reino Unido com visto gerido por essa legislação – com visto de trabalho, estudo ou cônjuges de britânicos – pouco deve mudar.
“Quem não tinha de passar pelo crivo da imigração vai passar a ter”, afirmou Ricardo Zagotto, consultor de imigração da Associação Brasileira no Reino Unido (Abras). “Aqueles que satisfizerem os critérios poderão ficar. Mas eles vão ter mais dor de cabeça e mais custos”, continuou.
Contudo, o consultor ressalta que “nada está claro”, visto que nenhuma proposta concreta foi apresentada durante a campanha. “Não é que vão mandar os europeus embora, mas será criada uma nova burocracia e eles vão ter de cumprir requisitos que a gente ainda não sabe quais são”, disse Zagotto.
Durante a campanha, os proponentes da saída enfatizaram que preferem substituir as regras de livre circulação da União Europeia por um sistema de pontos e cotas, como já acontece na Austrália. Nesse sistema, os imigrantes vão acumulando pontos de acordo com os critérios que cumprirem, e são aceitos em vagas disponíveis nas diferentes categorias de cotas.
Ricardo Zagotto ainda destaca que o Reino Unido já possui um sistema baseado em categorias, que rege a entrada de estudantes, visitantes, trabalhadores qualificados e trabalhadores com pouca qualificação, por exemplo.
Entretanto, nem todas as categorias são preenchidas, porque o livre fluxo de cidadãos da UE naturalmente atende à demanda por imigrantes. Setores que empregam mão de obra pouco qualificada, como construção civil, agricultura e limpeza, por exemplo, são tipicamente abastecidos com trabalhadores do Leste Europeu. Ou seja, muitos europeus poderiam simplesmente continuar a viver no Reino Unido dentro das novas categorias, bem como cidadãos com passaporte brasileiro que querem entrar no Reino Unido poderiam ser aceitos dentro de uma dessas categorias expandidas, pelo menos na teoria.
A grande dúvida é saber qual o nível de imigração que um Reino Unido fora da União Europeia vai comportar. Só em 2014, entraram no país 330 mil imigrantes, metade deles, da União Europeia. O primeiro-ministro, David Cameron, prometeu reduzir esse número para menos de 100 mil por ano e tem estado sob forte pressão por não conseguir cumprir essa promessa.
Sejam quais forem as próximas regras, analistas e políticos dizem que a mudança será gradual e que ninguém terá de deixar o país da noite para o dia. “Quero tranquilizar os britânicos vivendo na União Europeia e os cidadãos da União Europeia vivendo no Reino Unido que não haverá mudança imediata (nas suas circunstâncias)”, disse Cameron em discurso na manhã desta sexta-feira (24).
Cerca de 3 milhões de cidadãos europeus vivem atualmente no Reino Unido, principalmente da Polônia (850 mil), República da Irlanda (330 mil) e diversos países do antigo bloco soviético. O especialista da Abras explica que, de acordo com as regras vigentes, estes cidadãos podem pedir a residência permanente no Reino Unido quando completarem cinco anos vivendo no país. Porém, essa autorização, o Certificado de Residência Permanente para Cidadão da UE, deve deixar de valer.
Já quem vive no Reino Unido com um visto regido pela legislação nacional recebe o Indefinite Leave to Remain – a autorização para viver no Reino Unido indefinidamente – e não é provável que isto seja modificado.
Em ambos os casos, a cidadania só é obtida um ano depois, mediante o cumprimento de requisitos como domínio da língua e conhecimento básico do funcionamento da sociedade britânica.
Zagotto acredita que, para efetuar uma transição suave, as autoridades britânicas vão: 1) criar provisões temporárias para lidar com a questão dos europeus que já vivem aqui e 2) impor restrições aos que vão entrar.
“Até o brasileiro europeu que ficou aqui cinco anos e pediu o documento de residência permanente está em uma situação incerta. Só está 100% tranquilo aquele brasileiro que já se naturalizou”, disse o consultor. “Mas tem muito brasileiro que só se preocupa com a papelada quando acontece um evento, um fato. Agora aconteceu o evento”, finaliza.