Mais escuro que mil noites

(*) Carlos Brickmann

carlos_brickmann_10O café vem frio, isso quando vem. Jatinho ou avião da FAB, nem pensar. O comum dos mortais compra uma passagem comum; o incomum sabe que será vaiado durante a viagem, interpelado no aeroporto, insultado; e, máxima humilhação, precisará chamar a Polícia para protegê-lo dos homens comuns a quem desprezava, aqueles bobos que gastavam seu dinheiro para viajar, em vez de viajar de graça e ainda embolsar diárias suficientes para tornar-se não um correntista comum, mas um usufrutuário. Não pode tomar um Chicabon, no bar, sem proteção. Nada nele é comum. E justo agora, Dudu Cunha, como lhe faz falta um pouco de vida comum!

É triste não ser comum, por menos que ser comum pareça desejável. Para outra criatura incomum, criou-se no Itamaraty um cargo que não existia, com um bom salário fartamente calculado, verbas, assessores, passagens, e se lhe destinou um ótimo apartamento funcional, onde mora numa boa há 13 anos. A julgar por certos sinais bem perceptíveis, foi protegido neste tempo contra a aproximação de dentistas; a julgar pelos resultados que obteve, foi protegido contra a maldição bíblica que determina aos humanos comuns que ganhem o pão com o suor de seu rosto.

E agora, Marco Aurélio, que a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, que tal parar de ignorar a decisão oficial e sair do imóvel indevidamente ocupado?

Senhores incomuns, é hora de largar o osso!

Meninos, eu ouvi

Por mais improvável que pareça, este colunista, pré-adolescente, ligava as ondas curtas de seu rádio Philco para ouvir os debates na Câmara Federal. Dava para ouvir Carlos Lacerda, Almino Affonso, Eloy Dutra, Bilac Pinto, Adaucto Lúcio Cardoso, Emílio Carlos, políticos de primeiro time que se enfrentavam em duros debates. Esse pessoal que hoje disputa a Presidência da Câmara não era nem terceiro reserva. Ganhador de loterias, como Fernando Giacobo, que disse ter sido premiado 12 vezes em 1997, seria considerado um tipo pitoresco, e olhe lá. Por estar na lista da Lava Jato, ficaria fora do jogo. Como seus adversários Rogério Rosso, investigado por peculato, e Rodrigo Maia, citado em textos de Leo Pinheiro, da OAS.

E nenhum debate deles vale o esforço de ouvi-los.

O caminho de Cunha

O trabalho de Eduardo Cunha no afastamento de Dilma foi essencial. Mas não garante seu futuro. Com toda sua competência e habilidade, vai conseguir adiar a decisão parlamentar por algum tempo, não mais do que isso. Tudo indica que consiga sobreviver até agosto.

E suas conquistas máximas devem limitar-se a afastar as investigações sobre mulher e filha.

Pague que a conta é sua

Aquela dúvida sobre a redução do déficit público, entre economia e aumento de impostos, já está resolvida: a participação popular foi vitoriosa. O ministro Eliseu Padilha deixou clara essa opção: o Governo buscará economizar nas despesas e receitas – o que, se ocorrer, terá de atingir um volume gigantesco – e. depois, imposto. Vem Cide sim, com a vantagem de que não precisa de aprovação do Congresso. Vem a CPMF, devidamente embalada com algum projeto social (saúde, educação, casas populares).

Vêm também os protestos, mas não haverá jeito de deixar de pagar.

Coelhada neles

Está na revista da Turma da Mônica Jovem: Mônica, irritada com tantos palpites sobre o uso ou não de aparelho nos dentes, protesta com a frase “Meu corpo, minhas regras… podem discutir e debater até cansar”.
Caiu o mundo na Internet, com muita gente acusando Maurício de Souza e a quadrinista Petra Leão de integrar uma conspiração esquerdista – como se as mulheres não esquerdistas fossem imunes à menstruação.

Este colunista opina: a) regras fazem parte da vida feminina – aliás, da geração de vida humana; b) lê quem quer e compra a revista; c) Maurício tem um clássico da Turma da Mônica que, além de divertido como sempre são suas revistas, ganhou prêmio da ONU pelo combate ao racismo; d) este colunista foi personagem da Turma da Mônica, foi colega de Maurício na Folha de S.Paulo, e se orgulha disso; e) seus filhos sempre tiveram acesso às revistas dele. Maurício é amigo, gente fina, e, para este colunista, sempre tem razão. Mensagens contra o Maurício serão encaminhadas à cesta seção.

Sol quadrado

Carlinhos Cachoeira, condenado à prisão domiciliar, está cumprindo pena num hotel à beira da praia em Copacabana. Seu apartamento fica de frente para o mar. Dali, Cachoeira vê o Sol nascer quadrado, por trás de uma falha na vegetação. Em compensação, não precisa de tornozeleira eletrônica, que anda meio em falta no mercado brasileiro. Mas não está numa boa, embora pareça que goze de regalias. A Polícia Federal tem ordem para monitorá-lo o tempo todo.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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