O primeiro caso conhecido da Síndrome de Cotard foi de uma mulher que negava a existência de partes de seu corpo e sua necessidade de comer. Morreu de inanição.
A síndrome também é conhecida como delírio de negação ou delírio niilista. É uma doença mental que leva a pessoa a crer que está morta, que não existe, que está se decompondo ou que perdeu sangue e órgãos internos. Ela mexe com nossa intuição mais básica: a consciência de que existimos.
O ser humano tem um forte sentido de identidade, uma pequena pessoa que parece viver em algum lugar atrás de nossos olhos e nos faz sentir esse “eu” que cada um de nós somos.
“Descartes dizia que era possível que nosso corpo e nosso cérebro fossem ilusões, mas que não era possível duvidar de que temos uma mente e de que existimos, pois se estamos pensando, existimos”, afirma o neuropsicólogo clínico Paul Broks, que estuda a relação entre a mente, o corpo e o comportamento.
O paradoxo é que os pacientes de Cotard não conseguem entender o “eu”.
Adam Zeman, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, acredita que o “eu” está representado em diversos lugares do cérebro. “Creio que está representado inúmeras vezes. Está em todas as partes e em nenhuma”, explicou Zeman à BBC.
Zeman destaca que, entre essas representações está a do corpo (o “eu” físico), o “eu” como sujeito de experiências, e nosso “eu” como entidade que se move no tempo e no espaço. “Estamos conscientes de nosso passado e podemos projetar nosso futuro. Então, temos o ‘eu’ corporal, o ‘eu’ subjetivo e o ‘eu’ temporal”, afirma.
Os portadores de Cotard vivem em uma realidade distorcida.
Zeman lembrou-se de um caso que tratou de um paciente que tentou se suicidar ao jogar um aquecedor elétrico na água quando estava na banheira, mas não sofreu nenhum dano físico sério, contudo, estava convencido de que seu cérebro já não estava mais vivo. Quando o questionava, dava uma versão muito persuasiva de sua experiência: o paciente dizia que já não tinha mais necessidade de comer e beber.
A maneira como o paciente descrevia sua experiência era tão intrigante que neurologistas decidiram observar como seu cérebro se comportava. Zeman estudou o caso com seu colega Steve Laureys, da Universidade de Liége, na Bélgica.
“Para nossa surpresa, uma ressonância mostrou que Graham estava dando uma descrição apropriada do estado de seu cérebro, pois a atividade era marcadamente baixa em várias áreas associadas com a experiência do ‘eu’”, conta Zeman.
“Analisei exames durante 16 anos e nunca tinha visto alguém de pé e se relacionando com outras pessoas, com um resultado tão anormal. A atividade cerebral de Graham se parece com a de alguém anestesiado ou dormindo. Ver esse padrão em alguém desperto, até onde sei, é algo muito raro”, completa Laureys.
“Ele mesmo dizia que se sentia um morto-vivo. E que passava tempo em um cemitério, pois sentia que tinha mais em comum com os que estavam enterrados”, lembra Zeman.
Não se conhece a causa exata da síndrome, mas ela foi tratada com êxito graças a medicamentos combinados com terapia eletroconvulsiva.
“Curiosamente, o sistema cerebral mais associado com o ‘Eu Estendido’ é a rede neural por efeito, justamente a que estava afetada no caso de Graham”, destaca Adam Zeman.
“Se colocamos alguém em uma máquina de ressonância magnética e pedimos que relaxe, esses são os conjuntos de regiões cerebrais que estão mais ativos. São essas regiões que estão ligadas à nossa habilidade de recordar o passado e projetarmos o futuro, a pensar em si e nos outros, bem como às decisões morais”, completa.
“Todas essas funções estão associadas ao ‘eu’”, no caso de Graham, essa rede não funcionava apropriadamente, ou seja, de certa maneira, o paciente estava mesmo morto.