(*) Rizzatto Nunes
Os tumultos que se verificaram nos aeroportos brasileiros nos primeiros dias da entrada em vigor dos novos e mais rigorosos critérios de fiscalização das bagagens dos passageiros nos voos nacionais mostraram, mais uma vez, o despreparo para uma boa prestação de serviços públicos, e ainda uma incrível incompetência de planejamento (incompetência que não é privilégio do setor público, pois na iniciativa privada também ocorre).
Eu já abordei, mais de uma vez, a necessidade de aprimoramento no setor de atendimento ao consumidor que, apesar de toda tecnologia à disposição (e, muitas vezes, por causa dela) não consegue dar conta de forma eficaz da demanda existente. Volto ao assunto, especialmente para cuidar desse episódio de má administração da Infraero (que envolve uma dissintonia com a ANAC) e para mostrar a responsabilidade civil em relação aos danos causados aos passageiros.
Com efeito, dispõe o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”
Examinemos o sentido desses termos, excetuada a questão da essencialidade e da continuidade, que não afetam a análise do caso do mau atendimento prestado nos aeroportos.
Em primeiro lugar, diga-se que essa disposição da norma decorre do princípio constitucional estampado no caput do art. 37. É o chamado princípio da eficiência (1). Como explicam os Professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:
“O princípio da eficiência tem partes com as normas de ‘boa administração’, indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores, deve concretizar atividade administrativa predisposta à extração do maior número possível de efeitos positivos ao administrado. Deve sopesar relação de custo-benefício, buscar a otimização de recursos, em suma, tem por obrigação dotar da maior eficácia possível todas as ações do Estado” (2).
Hely Lopes Meirelles disciplina que a eficiência é um dever imposto a todo e qualquer agente público no sentido de que ele realize suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. Diz o administrativista:
“É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (3).
É fato que a lei designa outros adjetivos aos serviços prestados, além do relativo à eficiência: fala em adequado, seguro e contínuo (este último para os essenciais). Ora, adjetivos expõem a qualidade de alguma coisa, no caso o serviço público. Então, quando o princípio constitucional do art. 37 impõe que a Administração Pública forneça serviços eficientes, está especificando sua qualidade. Ou, em outros termos, o tão falado conceito de qualidade, do ponto de vista dos serviços públicos, está marcado pelo parâmetro constitucional da eficiência.
E essa eficiência tem, como visto, ontologicamente a função de determinar que os serviços públicos ofereçam o “maior número possível de efeitos positivos” para o administrado.
Isso significa que não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O serviço tem que ser realmente eficiente; tem que cumprir sua finalidade na realidade concreta. E o significado de eficiência remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona.
A eficiência é um plus necessário da adequação. O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida concretamente. É isso que o princípio constitucional pretende.
Assim, pode-se concluir com uma classificação das qualidades dos serviços públicos, nos quais o gênero é a eficiência, tudo o mais decorrendo dessa característica principal. Logo, adequação, segurança e continuidade (no caso dos serviços essenciais) são características ligadas à necessária eficiência dos serviços públicos.
Realmente, o serviço público só é eficiente se for adequado (p. ex., coleta de lixo seletiva, quando o consumidor tem como separar por pacotes o tipo de material a ser jogado fora), se for seguro (p. ex., transporte de passageiros em veículos controlados, inspecionados, com todos os itens mecânicos, elétricos etc. checados: freios, válvulas, combustível etc.), e, ainda, se for contínuo (p. ex., a energia elétrica sem cessação de fornecimento, água e esgoto da mesma forma, gás etc.).
Para uma classificação dos serviços públicos pelo aspecto da qualidade regulados pelo CDC, ter-se-ia, então, que dizer que no gênero eficiência estão os tipos adequado, seguro e contínuo.
Pode acontecer de o serviço ser adequado, mas não ser seguro. Ou ser seguro e descontínuo. Ou ser inadequado apesar de contínuo etc. No primeiro caso, cite-se como exemplo o serviço de gás encanado sem controle de inspeção das tubulações e/ou válvulas. No segundo, cite-se o serviço de fornecimento de energia elétrica que é interrompido. No terceiro, aponte-se o fornecimento contínuo de água contendo bactérias.
E, claro, como os serviços públicos hão de ser eficientes, as variáveis reais possíveis da junção dos tipos não são apenas as dicotômicas apresentadas (adequado-inseguro; seguro-descontínuo; inadequado-contínuo etc.), mas também podem ocorrer pela conexão das três características: adequado-inseguro-descontínuo; inadequado-seguro-contínuo; adequado-seguro-descontínuo etc.
Foi isso o que ficou estabelecido na Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplinou o regime de concessão e permissão dos serviços públicos, como decorrência do estabelecido no art. 175 da Constituição Federal.
É que a Carta Magna dispõe que a lei deve regulamentar a obrigação da manutenção do serviço público de forma adequada. Leia-se a citada norma constitucional:
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
(…)
IV — a obrigação de manter serviço adequado”.
Os §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei n. 8.987/95, então, dispõem:
“Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço”.
Vê-se, portanto, que há ampla determinação para que os serviços públicos sejam eficientes, adequados, seguros e contínuos.
Assim, concluo para deixar consignado que no presente caso do péssimo atendimento nos aeroportos, a hipótese é de vício do serviço e, dependendo do dano sofrido pelo consumidor, haverá também defeito. Tudo nos exatos termos do estabelecido nas regras dos arts. 14 e 20 do CDC. A responsabilidade é objetiva e, desse modo, o consumidor que sofreu algum tipo de lesão em função da má prestação desse serviço tem direito à indenização correspondente referente a, por exemplo, reembolso com diárias de hotéis, refeições, transportes, multas por remarcação de voos etc., e até indenização pela perda de negócios ou oportunidades.
(1) Para mais dados, consultar meu Comentários do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 8ª. ed. 2015., Parte 1, item 5.11.
(2) Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 235
(3) Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Saraiva, 13ª. ed, p. 90.
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.