Se Bruno Souza, ex-goleiro do Flamengo, está preso, Lula não poderia estar solto

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Divulgada à exaustão ao redor do planeta, a folclórica cegueira da Justiça, que representa a teórica isonomia do Judiciário, tem olhos de lince, muitas vezes olha na direção errada e enxerga o que não deve. No Estado Democrático de Direito, o que se espera é que decisões judiciais sejam isonômicas ou, então, que umas sirvam de referência para outras.

No caso do Brasil, a isonomia de tratamento dispensado pela Justiça é uma garantia constitucional, pois a Carta Magna, em seu artigo 5º, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Infelizmente, nessa barafunda em que se transformou o País, alguns são mais iguais que os outros. O que significa que nem sempre a lei vale da mesma forma para todos.

Em tempos não tão distantes, o Direito Penal brasileiro estabelecia a não existência de crime diante da ausência de provas materiais. No caso de homicídio, por exemplo, entendia-se ser impossível condenar alguém sem cadáver ou a arma do crime. O tempo passou e o entendimento mudou acerca do tema. O depoimento de uma testemunha, afirmando que determinada pessoa cometeu um crime e detalhando o ilícito, é suficiente para embasar a condenação.

O melhor exemplo desse entendimento é o caso de Bruno Fernandes de Souza, ex-goleiro do Flamengo e condenado à prisão pela morte de Eliza Samudio. Bruno sempre negou a autoria do crime, mas depoimentos de testemunhas e de acusados serviram para condená-lo a 22 anos e 3 meses de prisão. Durante as investigações, o corpo de Eliza Samudio não foi encontrado, mas a Polícia Civil mineira optou pelo indiciamento do ex-atleta. Ato contínuo, o Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia e a Justiça condenou-o.

Informações desencontradas e sem qualquer comprovação marcaram o rumoroso caso, que teve operações cinematográficas para localizar o corpo da jovem, mas, apesar do fracasso das investidas, prevaleceu o entendimento de que mesmo sem cadáver ou a arma do crime era possível condenar o principal suspeito.

De tal modo, a decisão que culminou na condenação do ex-goleiro, mesmo que empírica, deveria servir de balizamento para outros casos, mesmo que fora da seara do homicídio. Até porque, o depoimento de uma testemunha é suficiente para levar o Estado a condenar.

Esse introito serve para traçar um paralelo entre o caso do ex-goleiro Bruno e o do polêmico sítio em Atibaia, alvo da Operação Lava-Jato e cuja propriedade é negada pelo ex-presidente Lula. Afundando cada vez mais na Lava-Jato, Lula vê sua situação piorar no caso do sítio por causa de depoimentos reveladores de testemunhas e investigados. E no caso de Bruno os depoimentos de acusados de envolvimento no crime foram preponderantes.

O escândalo do Santa Bárbara

Enquanto Lula nega ser dono do imóvel, localizado em aprazível cidade do interior paulista, o pecuarista José Carlos Bumlai, preso e condenado na Lava-Jato, afirmou à Polícia Federal que a ex-primeira-dama procurou-o para que assumisse a reforma da propriedade. Disse Marisa Letícia, na ocasião, que a reforma seria uma surpresa ao ex-metalúrgico. A mentira começou mostrar sua perna curta logo no começo do imbróglio, pois Bumlai foi destituído da função de coordenador das obras por um assessor palaciano que era uma espécie de sombra de Lula. Ou seja, o ex-presidente sabia da reforma.

A Bumlai foi dito que o ritmo da reforma desagradou a família Lula da Silva e que uma “construtora de verdade” seria contratada para assumir a tarefa. Não por acaso, a execução da reforma no Sítio Santa Bárbara foi assumida por duas das maiores empreiteiras do País e investigadas na Lava-Jato: Odebrecht e OAS. Algo parecido como contratar engenheiros da NASa para consertar o carrinho de popoca da esquina.

Um dia antes do depoimento de José Carlos Bumlai, a ex-primeira-dama e um dos filhos de Lula, Fábio Luís Lula da Silva (conhecido como Lulinha), faltaram a depoimento na Polícia Federal. A decisão de não comparecer à PF foi do conceituado criminalista José Roberto Batochio, responsável pela parte penal da defesa da família do petista-mor. Ora, se a propriedade não é de Lula e o ex-presidente alega ser alvo de perseguição, não havia motivos para que Marisa e Lulinha deixassem de depor.

O laranjal petista

O tal sítio está registrado oficialmente em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna Filho, sócios de Lulinha na holding que controla a empresa Gamecorp (jogos eletrônicos). Fernando Bittar alega que comprou a propriedade com dinheiro recebido de seu pai, Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas e amigo de Lula há mais de quarenta anos. Jacó, por sua vez, tem Celso Silva Vieira Prado como pessoa da máxima confiança, a quem delega, há mais de vinte anos, a missão de cuidar dos imóveis da família. Interrogado pela PF, Celso Prado disse que jamais ouviu falar do tal sítio e que só soube do mesmo após a eclosão do escândalo. O depoimento do gerente de patrimônio da família Bittar foi anexado ao inquérito que investiga o caso.

Considerando que um dos donos de direito do sítio é Fernando Bittar, não havia motivo para Lulinha telefonar, em determinada ocasião, ao caseiro da propriedade, conhecido como Maradona, autorizando a entrada e permanência de Kalil Bittar (irmão de Fernando) no imóvel. Ou será que há algo mal explicado também nessa relação envolvendo Lulinha, Fernando e Kalil?


Já o empresário Jonas Suassuna Filho, bem sucedido dono de empresa especializada em tecnologia da informação, mora no Rio de Janeiro em um elegante e caro apartamento na Barra da Tijuca. Quem conhece Suassuna sabe que a decoração do sítio não combina com seu estilo de vida, marcado por vinhos caros e cobiçados, charutos importados (em especial cubanos), restaurantes finos e obras de arte. Ademais, para quem mora na capital fluminense ter um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, é no mínimo um contrassenso logístico. Sem contar que o empresário tem uma cara e confortável casa (8 suítes e três bangalôs duplex) na paradisíaca na Ilha dos Macacos, em Angra dos Reis, litoral sul fluminense.

Fora isso, a mulher de Suassuna é dura e ácida crítica da canhestra relação do marido com o clã Lula da Silva. Jonas, inclusive, teria brigado feio com Lulinha ao ver seu nome mergulhado no lamaçal que banha a Operação Lava-Jato.

Plantação de desculpas

A primeira desculpa apresentada para justificar a obra no Sítio Santa Bárbara é que a reforma viabilizaria o maior convívio entre as famílias Bittar e Lula da Silva. Ou seja, nessa história mal contada o empresário Jonas Suassuna ficou de fora.

A segunda desculpa, apresentada por Fernando Bittar à Polícia Federal, é que a reforma tinha como objetivo preparar o local para receber o acervo do ex-presidente da República. Ora, se a propriedade pertence a Bittar e Suassuna, não há explicação para que os badulaques do petista fossem armazenados no sítio.

A narrativa sobre o malfadado sítio foi tão mal redigida, que ninguém explica o fato de Marisa Letícia ter palpitado na obra e exigido a instalação de uma cozinha moderna e muito cara. E o custo desse mimo acabou na contabilidade da OAS.

Por meio dos advogados e do instituto que leva seu nome, Lula alegou que frequentava o sítio somente nos momentos de folga. Entre 2012 e janeiro deste ano, Lula esteve 111 vezes no Santa Bárbara. O que mostra que o petista, supostamente um palestrante ocupado, é muito mais folgado do se imaginava.

Na Operação Aletheia (24ª fase da Lava-Jato), policiais federais apreenderam no apartamento de Lula, em São Bernardo do Campo, a minuta de um contrato de comrpa e venda do síti, sem assinaturas, além de notas fiscais relativas à reforma.

Registros contestam o lobista-palestrante

De acordo com a legislação vigente no País, todo ex-presidente da República tem direito a assessores e seguranças. Para confirmar que o enredo do sítio foi mal redigido, basta conferir o número de viagens dos seguranças de Lula a Atibaia. Em seis datas distintas, os seguranças estavam em Atibaia enquanto o petista fazia viagens internacionais.

Às 7h57 do dia 13 de março de 2013, a Polícia Federal registrou a saída de Lula do País. Naquela data, o ex-presidente rumou para a África, onde possivelmente foi cuidar dos interesses de empreiteiras brasileiras. No mesmo dia 13 de março, o militar Elias dos Reis, segurança de Lula, saiu de São Bernardo do Campo com destino a Atibaia.

Elias recebeu diária no valor R$ 265, voltando a São Bernardo no dia seguinte. Enquanto Lula estava na África fazendo lobby e esparramando sua mitomania malandra, o Palácio Planalto registrou da seguinte forma a viagem do segurança a Atibaia: “Compor a equipe de segurança do Sr Ex-Presidente da República”. Pois bem, todo ex-presidente da República tem direito a seguranças e assessores, não extensivo a familiares. De tal modo, se Lula estava na África, o segurança não tinha o que fazer em Atibaia. O que mostra que o dono de fato do sítio é o petista, não Bittar e Suassuna.

Conclusão

Para finalizar, se Bruno está preso por um crime que ele afirma não ter cometido, Lula não poderia estar solto, mesmo alegando não ser dono do sítio. O ex-goleiro foi condenado com base no depoimento de testemunhas e investigados, o lobista-palestrante continua impune apesar dos depoimentos de testemunhas e investigados. Em suma, a exemplo do que praga a sabedoria popular, o pau que bate em Chico, bate em Francisco.

Pessoas que trabalharam com Lula, com elevadas doses de intimidade político-administrativa e livre trânsito no Palácio do Planalto, dizem nos bastidores não entender como o petista ainda não foi preso. E há quem garanta que a Justiça brasileira é cega.

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