Quando defendeu a não inabilitação da ex-presidente Dilma Rousseff na esteira da aprovação do impeachment, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) falou em nome próprio e no de muitos colegas de Parlamento que afundam na Operação Lava-Jato. E o primeiro a ser beneficiado por essa decisão, que poderá ser revertida, é o ainda deputado federal Eduardo Cunha, que está prestes a ser cassado.
A decisão do plenário do Senado fere frontalmente a Constituição Federal, que em seu artigo 52 é clara ao definir que o impeachment e a inabilitação são indissociáveis.
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (…)
Parágrafo único – Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Em outras palavras, o que se viu no Senado foi o atropelamento da Carta Magna, com a estranha anuência do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, a quem coube, de acordo com o que determina a lei, comandar o julgamento do impeachment.
É importante destacar que a decisão tomada pelos senadores nesta quarta-feira (31) – 42 votos a favor, 36 contra e três abstenções – acabou por modificar a Constituição, o que, de acordo com a lei, só pode ocorrer mediante a votação, em dois turnos, de proposta de emenda constitucional, a qual será considerada aprovada se obtiver três quintos dos votos dos senadores e dos deputados federais.
A medida será alvo de recursos junto ao STF, que não terá como fechar os olhos para o que determina a Constituição, de forma inequívoca, especialmente porque a Corte é a guardiã da Carta Magna. Isso significa que a manutenção da decisão do Senado não apenas abre um precedente perigosíssimo, mas permite que muitos políticos investigados por corrupção, cujos mandatos forem cassados, consigam procrastinar uma decisão com trânsito em julgado, Isso porque poderão ocupar cargos públicos que possibilitam o chamado foro privilegiado.
No caso de Dilma Rousseff, a ex-presidente também é uma das beneficiadas, já que sem o foro especial por prerrogativa de função passará a ser julgada, no âmbito da Operação Lava-Jato, pelo juiz Sérgio Moro. Contudo, um cargo de secretária de Estado, por exemplo, lhe garantirá o direito de ser julgada por instância superior da Justiça. Em relação a concorrer a cargos eletivos, Dilma é inelegível com base na Lei da Ficha Limpa.