A cassação do mandato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aconteceu por quebra do decoro parlamentar, mas a decisão tomada pelo plenário da Câmara dos Deputados teve como base o conjunto da obra do parlamentar peemedebista.
Além de ficar inelegível por oito anos, prazo que começa a valer a partir do encerramento da atual legislatura, Cunha já não goza do foro especial por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, por isso os processos a que responde serão remetidos à primeira instância da Justiça. No caso dos processos referentes à Operação Lava-Jato, os mesmos serão remetidos ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mas alguns poderão permanecer no Supremo Tribunal Federal se outro investigado ou réu tiver prerrogativa de foro.
Muito antes da definição do futuro político do ex-presidente da Câmara dos Deputados, tornou-se voz corrente na seara política a possibilidade de Eduardo Cunha aderir à delação premiada como forma de reduzir eventual pena. Na segunda-feira (12), dia da cassação do seu mandato, Cunha afirmou em entrevista que a delação estava fora de cogitação porque esse artifício é usado para quem cometeu crime. Entre o que falou o deputado cassado e a realidade dos fatos há uma enorme distância, a qual será facilmente demonstrada por seus advogados.
Nesta terça-feira (13), investigadores da Operação Lava-Jato disseram que um eventual acordo de colaboração premiada com Eduardo Cunha só será possível depois de o peemedebista cumprir parte da pena na prisão e em regime fechado.
Essa declaração é perigosa e absurda, por mais que o País careça de profunda e célere assepsia no cenário político. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a delação premiada é uma decisão do réu, não cabendo inclusive ao advogado opinar sobre o tema.
Lamentavelmente, a Operação Lava-Jato, violando o que reza a legislação vigente, ultrapassa o limite do bom senso ao usar a coação e a tortura psicológica como forma de induzir o réu a aderir à delação. Esse quadro fica evidente no momento em que os investigadores falam em cumprimento de parte da pena antes de qualquer acordo.
De chofre é preciso salientar que no STF, onde Cunha respondia por seu envolvimento no maior esquema de corrupção de todos os tempos, o Petrolão, os respectivos processos ainda estão em fase de instrução. Mesmo que remetidos à primeira instância, o status dos mesmos não mudará. Sendo assim, afirmar que antes de tudo Cunha precisa passar uma temporada na cadeia é antecipar juízo de valor.
Reza a Constituição Federal que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória”, ou seja, não se pode condenar Eduardo Cunha antes mesmo do trâmite do devido processo legal.
Não se trata de pregar a inocência que Cunha não tem, mas de exigir que a legislação seja respeitada e que a isonomia de tratamento prevaleça em qualquer caso na esfera da Justiça, em especial nos que tratam de crimes investigados pela Operação Lava-Jato.
A questão da isonomia é importante e deve ser salientada, pois no caso da delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, não houve a exigência de uma temporada atrás das grades antes da formalização do acordo de colaboração.
Os investigadores poderão alegar que Cunha está no topo da pirâmide de corrupção que se instalou no País, por isso é detentor de informações que podem causar enorme estrago, mas não será à base da força e da coação que a investigação avançará.
Alguém há de dizer que corruptos devem ser presos a qualquer custo, mas o Brasil é um Estado Democrático de Direito e a legislação deve ser aplicada dentro dos seus próprios limites. Se do jeito que está não serve, que o Congresso Nacional convoque uma Constituinte para mudar a Carta Magna, pois do contrário o País dará largos passos na direção do totalitarismo judiciário, ao mesmo tempo em que a Operação Lava-Jato será alvo de seguidas arguições de nulidade.