Quem acompanha os discursos coléricos no Congresso Nacional conclui que há no País uma acirrada e intensa queda de braços entre situacionistas e oposicionistas. Quem se depara com os enfrentamentos nas ruas do País não demora a perceber que há uma divisão entre os defensores do governo atual e os defensores do anterior. Quem monitora as acaloradas discussões nas redes sociais, com direito a excessos de todos os naipes, conclui que a esquerda e a direita sem enfrentam de forma insana em todo o Brasil. E que tudo isso ocorre por divergências ideológicas.
Verdade? Não, mentira das grandes! As divergências fazem parte da política e por certo é o ingrediente preponderante na receita da enganação. Não é de hoje que discursos repletos de acusações trocadas não passam de um jogo de cena rasteiro, levado a cabo para enganar a extensa maioria da opinião pública. Muito estranhamente, a imprensa brasileira acostumou-se a noticiar a farsa, sem jamais ousar a dissecar a farsa que embala a política nacional.
Alguém há de questionar se isso de fato ocorre no Brasil, país que nos últimos meses viu crescer o movimento contra o PT e seus gatunos de plantão, mas na calada da noite são todos iguais. A manobra espúria que teve lugar na Câmara dos Deputados, na última segunda-feira (19), e precedeu a tentativa criminosa de votar um projeto que anistiaria os crimes pretéritos de caixa é o exemplo dessa dura realidade.
A matéria foi inserida na pauta de votação da segunda-feira, dia da semana em que o quorum parlamentar é costumeiramente baixo, quase nulo. Para colocar em prática o “golpe” – essa é a palavra adequada para a manobra – PSDB, PMDB, DEM, PP, PT, PP e PR chegaram a um acordo marcado pela tese de que era preciso passar uma borracha nos crimes de caixa 2 praticados no passado, livrando, dessa maneira, todos os delinquentes com mandato que fizeram uso de dinheiro não contabilizado em suas respectivas campanhas.
No momento em que todos os principais partidos, da situação e da oposição, se unem para perpetrar um golpe, fica claro que a classe política faz jus ao desprezo de que é alvo. Afinal, beira o inimaginável o fato de partidos que duelam nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se uniram para a prática de um crime de lesa pátria, cujo objetivo era anistiar criminosos.
Por sorte a matéria não foi à votação, por obra dos partidos chamados “pequenos”, mas não se pode aceitar que representantes da sociedade se unam para tentar oficializar a impunidade, mesmo que em caráter retroativo.
Com a queda da máscara, os envolvidos na trama sórdida começaram a se desentender e abriu-se um caminho para troca de acusações, pois ninguém quis assumir a paternidade da lambança. Na verdade, a estratégia contou com o apoio camuflado do governo, que precisava da aprovação do polêmico projeto para salvar a pele de seus integrantes, assim como muitos filiados ao partido do presidente Michel Temer, o PMDB. Por isso o manche do truque foi conferido a alguns parlamentares destacados, como o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Há de surgir os que defendem a intervenção militar, mas essa não é a saída para uma democracia ainda jovem. Outros sugerirão que a alternativa é hostilizar políticos, mas essa também não é a solução, pois depois do leite derramado de nada adianta chorar. O melhor a fazer é estar atento diuturnamente ao desenrolar da política, em todo o seu escopo, e aprender a votar. Mudar é preciso, claro, mas a mudança não acontecerá da noite para o dia. Até porque, como tudo que é perene (ou quase), essa mudança tem seu ponto de maturação. Enquanto isso não acontece, estar vigilante é a ordem.