Se o governo de Michel Temer fosse um integrante do reino animal, um cão dálmata seria sua melhor personificação. Isso porque o couro do governo do peemedebista está repleto de nodoas da corrupção. Para quem não se identifica com os cachorros, a próxima comparação seria um hipopótamo, que passa boa parte do tempo mergulhado na lama e com a cabeça de fora.
Não bastassem as muitas denúncias de corrupção que chacoalharam o começo do governo que tem a promessa de ser a ponte para o futuro, o mais novo alvo das delações da Operação Lava-Jato é o tucano José Serra, senador licenciado e ministro das Relações Exteriores.
O nome de Serra surgiu na esteira do acordo de colaboração premiada coletiva da Obrebrecht, que informou às autoridades da força-tarefa dois nomes do alto tucanato que, atuando como operadores do ministro, receberam R$ 23 milhões no caixa 2. O dinheiro foi repassado pela empreiteira como contribuição para a campanha de Serra à Presidência da República, em 2010, quando o tucano foi derrotado por Dilma Rousseff.
Parte do recurso foi depositada em conta bancária na Suíça, sendo que a operação foi capitaneada pelo ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho (ex-PSDB, atualmente no PSD), que integrou a equipe de coordenação da campanha de José Serra naquele ano. O caixa 2 no Brasil foi operado pelo ex-deputado Márcio Fortes (PSDB-RJ), muito próximo a Serra.
Ambos os repasses, no Brasil e na Suíça, foram citados por dois executivos da Odebrecht – Pedro Novis e Carlos Armando Paschoal – nas negociações de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, em Brasília, e com a força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba.
Como os delatores assumem, durante as negociações com as autoridades, o compromisso tácito de não faltar com a verdade, Novis e Paschoal se comprometeram a entregar os comprovantes dos mencionados depósitos na Suíça e no Brasil.
Política no Brasil não se faz sem muito dinheiro, mesmo depois da regra que proíbe doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos. Serra ainda não se manifestou sobre o assunto, mas certamente negará os fatos, até o momento em que as provas falarem por si só.
Michel Temer assumiu a Presidência da República em um momento grave da política nacional, prometendo aos brasileiros uma equipe ministerial de notáveis, o que por enquanto não aconteceu. A não ser que a notabilidade a que se referiu o presidente era em relação a escândalos de corrupção.
Fosse um presidente eivado pela prudência, Temer já teria pedido a José Serra para se afastar temporariamente do Itamaraty, até a conclusão das investigações. Um governo que herdou uma infinidade de problemas e tem pouco mais de dois anos para tentar resolvê-los, denúncias de corrupção não são o melhor cardápio.
Temer deveria repetir o ex-presidente Itamar Franco, que não hesitou em afastar da chefia da casa Civil o colaborador e amigo de longa data Henrique Hargreaves, tão logo surgiu uma denúncia de corrupção.
Hargreaves entendeu a decisão de Itamar, que por sua vez deu carta branca à Polícia Federal para investigar o ministro afastado. Como a PF nada encontrou contra o suspeito, Henrique Hargreaves reassumiu o comando da Casa Civil mais forte do que antes. Mas gestos como esse exigem grandeza, algo em escassez na política nacional.