Obrigação de fazer ou não fazer no CDC: alguns aspectos processuais

(*) Rizzatto Nunes

rizzatto_nunes_05No artigo de hoje, avalio alguns aspectos da ação de obrigação de fazer e não fazer no CDC.

Com efeito, o art. 84 da lei consumerista regulou a medida nos seguintes termos:

“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287 do Código de Processo Civil [1]).

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”.

Tutela específica ou providências que assegurem o resultado prático equivalente

A lei permite que, ao invés da tutela específica requerida, o magistrado determine providências que possam assegurar o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Vale dizer, se a tutela específica requerida não puder ser concedida por impossibilidade do meio ou desaparecimento do bem pretendido, pode o juiz criar as condições que tenham o mesmo efeito real ao do adimplemento.

Assim, por exemplo, se a ação foi proposta para impedir que determinado patrocinador veicule publicidade enganosa (obrigação de não fazer) e se descobre que o patrocinador está se ocultando para evitar a citação ou a intimação, pode, ou melhor, deve o magistrado, para cumprir a pretensão legal, intimar os veículos de comunicação proibindo-os de veicularem o anúncio enganoso. Com isso o juiz terá obtido o resultado praticado equivalente e eficiente.

Veja-se que o § 5º expressamente permite que o juiz determine as medidas necessárias, quaisquer que sejam elas. O conteúdo do dispositivo é meramente exemplificativo, o que fica claro pelo esquema da proposição, que diz “medidas necessárias”, ou seja, toda e qualquer medida que for necessária e “tais como”, isto é, exemplificativamente, busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas e desfazimento de obra.

Liminar

A lei expressamente permite a concessão de medida liminar (§ 3º do art. 84), impondo a presença de dois requisitos:

a) ser o fundamento da demanda relevante; e

b) haver justificado receio de ineficácia do provimento final.

A conjuntiva e do texto legal obriga a que ambos os requisitos estejam presentes para que a liminar seja concedida.

Fundamento relevante

É possível compreender o sentido de “fundamento relevante” comparando-o com o mais conhecido fumus boni iuris, a chamada “fumaça do bom direito”. De fato, o que se pode entender por fundamento relevante da demanda?

Ora, aquilo que o autor da ação narrar ao juiz como plausível, fundado em direito que foi, está ou pode ser violado e comprovar de início.

Assim, por exemplo, se o autor da ação diz que foi negativado no Serviço de Proteção ao Crédito por dívida quitada, e faz prova juntando documento com a inicial, tem-se claro que a anotação é indevida e, portanto, o fundamento da demanda é relevante (dir-se-ia que há fumus boni iuris).

Acontece o mesmo para a concessão preventiva da liminar, visando impor obrigação de não fazer: se o autor anexa correspondência do réu demonstrando na inicial que ele, autor, está sendo cobrado por dívida paga e que está sofrendo ameaça de negativação no Serviço de Proteção ao Crédito, o fundamento da demanda é relevante.

Ineficácia do provimento final

O sentido de ineficácia é – só pode ser – o de menos eficácia do que teria a decisão se não fosse concedida liminarmente.

A norma não está querendo dizer ineficácia total da ação decisória, porque, claro, se depois de três anos o juiz determinar que seja retirado o nome do autor-consumidor do cadastro do Serviço de Proteção ao Crédito, a decisão terá eficácia, só que tão tardia que o dano já se terá produzido. Daí que o sentido de “receio de ineficácia do provimento final” tem mesmo o sentido amplo de retardamento da eficácia, permissão de alongamento do tempo do dano e assim por diante.

O que a lei pretende é que o simples receio de diminuição da eficácia do provimento final seja, desde logo, motivo suficiente (somado ao fundamento relevante) para a concessão da medida liminar.

Momento da concessão da liminar

A lei permite que a concessão da liminar se produza em dois momentos: no despacho inicial ou após justificação prévia, citado o réu.

Isso significa que, se no caso concreto, após exame da inicial, restar justo receio de que o fundamento da demanda, apesar de relevante, não esteja adequadamente demonstrado, o juiz deve ouvir o réu, antes de decidir pela concessão ou não da liminar. Vejamos um exemplo.

Digamos que o autor da ação tenha uma dívida com um banco e alegue que está sofrendo cobrança indevida em função da aplicação de uma cláusula do contrato que é abusiva, mas informe ao juiz que não tem cópia do contrato. É natural que, nesse caso, o juiz mande citar o réu, determinando que ele traga aos autos a cópia do instrumento, e só depois do contrato juntado aos autos e ouvido o banco, decida o pedido liminar.

Dependendo do contexto, pode o magistrado conceder a liminar e, em seguida, ouvir o réu. Posteriormente, a partir da ouvida do réu e do exame de outras provas, pode revogar a liminar.

“Astreinte”

O § 4º do art. 84 permite que o magistrado fixe multa diária para que o réu cumpra a determinação.

Perdas e danos

E o § 1º do art. 84 disciplina a possibilidade de apuração de perdas e danos.

Note-se uma peculiaridade: a norma se utiliza de duas disjuntivas ou (“se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático”), e como ela liga uma prerrogativa (opção do autor) a duas impossibilidades de resultado efetivo, tem-se que, de fato, trata-se de apenas uma disjuntiva, no caso, excludente. Expliquemos.

A disjuntiva é:

a) opção do autor ou

b) impossibilidade da obtenção da tutela específica ou da obtenção do resultado prático correspondente.

É que as duas hipóteses de “b” são semelhantes e indiferentes entre si: basta que se possa obter uma para excluir a outra. Se a tutela específica for obtida, está resolvida a pendenga; ou se o resultado prático correspondente for atingido também.

Já o caso da letra “a”, exclui os da letra “b”, porque opção do autor, é típico exercício de direito subjetivo conferido pela lei: é o próprio § 1º que confere ao titular a possibilidade do exercício da prerrogativa de, ao invés de pleitear o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, requerer desde logo a apuração de perdas e danos.

Ou seja, a hipótese da letra “a” (opção do autor) exclui as hipóteses da letra “b” (impossibilidade da tutela específica ou obtenção do resultado prático correspondente), que entre si não se excluem.

Assim, se o autor não pleitear desde logo a apuração das perdas e danos, o magistrado determinará a apuração de perdas e danos somente se for impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

[1] A referência é ao Código de Processo Civil de 1973, revogado, o que em nada afeta o prescrito na norma.

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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